As regras do European Green Deal, o plano da União Europeia para frear mudanças climáticas, são conhecidas dos especialistas em comércio exterior.
No entanto, mesmo quem já esperava a proibição da importação pelos 27 países do bloco de produtos cultivados ou que tenham sido derivados de áreas desmatadas avalia que ainda há tempo de o Brasil tentar amenizar o problema.
José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que os estudos para a medida eram acompanhados no setor:
– Estava previsto, ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Os europeus estão forçando um pouco, mas estamos dando motivo. Não temos nos defendido de forma adequada, e quando tentamos, é com mentira, dizendo que a Amazônia não queima por ser úmida. O Brasil perde credibilidade. Precisamos tomar cuidado e fazer o dever de casa.
Castro observa, porém, que os europeus não têm muitas opções para substituir, por exemplo, a soja brasileira. Diz que há dois grandes produtores, Brasil e Estados Unidos, e um médio, a Argentina, que consome quase tudo o que produz.
No entanto, afirma que com a crise hídrica afetando Brasil e China, entre outros países, o cenário de mudança climática "ficou mais concreto, não é mais uma hipótese". Com poucos rios para irrigação, a União Europeia tem pressa de frear o efeito. E recomenda:
– É preciso conversar, mostrar o mapa do Brasil. Mas quem responde por isso no Brasil? O Ministério da Agricultura? O do Meio Ambiente? Não sabemos. Mais do que nunca, vamos precisar da nossa diplomacia.
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, não é apenas uma ameaça:
– Vai acontecer.
Barral acompanha essa discussão, também no Reino Unido, há mais de um ano. Explica que, depois da aprovação final, haverá uma regulamentação para definir os critérios de certificação das áreas "deforestation-free". Ou seja, caberá ao importador a responsabilidade de comprovar que os produtos não vêm de área de desmatamento.
– As regras falam especificamente de Brasil e Indonésia, dois países em que há tem muitos produtos provenientes de áreas de desmatamento.
A coluna perguntou a Barral se é só pelo ambiente ou se há disputa comercial envolvida.
– Costumo dizer que atrás de toda boa intenção tem uma boa barreira – respondeu.
Argumenta que, além da pressão do Partido Verde no Parlamento Europeu, setores que não querem concorrer com produtos brasileiros aproveitam para fazer lobby, especialmente no caso da carne, muito protegida na União Europeia.
– A Europa vai começar a exigir certificações que atestem que o produto não vem de área desmatada, e agências europeias vão ter de analisar caso a caso, o que vai significar um custo adicional às exportações brasileiras.
Mas Barral pondera que a inclusão de áreas desmatadas "legais" pode ir parar na Organização Mundial do Comércio (OMC):
– O Brasil pode alegar aplicação extraterritorial da norma. Em comércio internacional, pode-se criar regras para importar no seu território, mas não pode determinar como outros países vão regulamentar isso. É uma linha tênue, mas existe.
O que diz a regra
Os proibidões: estão na lista verde soja, café, carne bovina, cacau, madeira e óleo de palma, e derivados como couro, chocolate e móveis (veja detalhes clicando aqui, no original em inglês). São todas mercadorias que têm o Brasil como líder de mercado ou dono de uma considerável fatia do comércio global.
O que falta para entrar em vigor: aprovação no Conselho Europeu (colegiado formado pelos presidentes dos países do bloco) e no Parlamento Europeu, formado por representantes escolhidos especificamente para essa função, onde há expressiva bancada verde.
O efeito para o Brasil: nenhum desses produtos poderá ser importado para os 27 países que integram a União Europeia se tiverem origem em terra em que houve desmatamento depois de 31 de dezembro de 2020, data de corte definida pelos formuladores da política.
Como vai funcionar: depois da aprovação final, haverá regulamentação para definir que agências serão responsáveis por certificar que o produto é "deforestation-free". Isso também vai aumentar o custo do produtos provenientes do Brasil, sejam ou não de áreas de desmatamento.