A Medida Provisória 1.031, que abre caminho para a privatização da Eletrobras, deve ser votada entre na quarta-feira (19) na Câmara dos Deputados, mas está cercada de incertezas depois de ter aprofundado a exposição da divisão do governo Bolsonaro.
O parecer do relator Elmar Nascimento (DEM-BA) replicou a tal ponto os conflitos entre diferentes áreas explicitados no impasse do orçamento que, na visão de especialistas e do mercado, compromete até a viabilidade da capitalização para a empresa.
O modelo de privatização é o da capitalização, como o que o governo gaúcho pretende aplicar para a Corsan. Em vez de um leilão com empresas disputando o controle, deve ocorrer com oferta de ações na bolsa de valores. Novos papéis seriam emitidos e ofertados no mercado, sem que o governo federal comprasse, o que diluiria sua fatia.
A destinação de recursos acendeu a luz amarela no mercado ainda no final de semana, e se acentuou na segunda-feira (17), quando as ações ordinárias da estatal caíram 4,62%. Nesta terça-feira (18), quando saiu a informação de que a votação ficou para o dia seguinte para novas mudanças no parecer, subiram 3,03%.
O relatório permite que não fiquem na Eletrobras indenizações que podem chegar a R$ 47 bilhões, o que ameaça a sobrevivência da empresa. Esses pagamentos são decorrentes da correção do impacto provocado pela MP 579, editada no governo Dilma Rousseff, que desorganizou o setor elétrico. Grande parte desses recursos seria destinada à nova estatal a ser criada para abrir os ativos de geração nuclear e a Itaipu.
Outro ponto polêmico faz a ponte entre a disputa por recursos da capitalização da Eletrobras e o episódio do "tratoraço": uma grande transferência de recursos para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal controlada pelo Centrão — mais especificamente, por aliados do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O senador foi o terceiro maior contemplado com as emendas parlamentares extraordinárias do "orçamento paralelo", com R$ 98,5 milhões.
A expectativa do governo é obter cerca de R$ 100 bilhões com a capitalização, e ao menos parte do mercado e dos especialistas já identificam intenção de "destinar boa parte desse dinheiro para levar em verbas para os Estados em troca de apoio político", como definiu Rafael Antunes, sócio da Inove Investimentos. Na definição de Alvaro Bandeira, sócio e economista-chefe do banco digital modalmais, o texto do parecer trouxe algumas “pegadinhas” das quais os investidores não gostaram.
Técnicos que acompanham o tema definiram a disputa por recursos como se fosse "entre dois governos diferentes". O mal-estar com as regras propostas no parecer pode complicar o apertado prazo para aprovar a MP 1.031, porque há compromisso da Câmara de levar o tema ao Senado até a próxima semana, para que haja ainda um mês de análise até a perda da validade, em 22 de junho.