No day after do ataque ao Congresso dos Estados Unidos, as bolsas ignoram solenemente qualquer risco à democracia – no Brasil, sobe 2%, apontando para uma possível quebra de recorde histórico –, mas o dólar não mostra muita musculatura frente a outra moedas.
Conforme Sidnei Moura Nehme, da NGO Corretora de Câmbio, o cenário chama atenção porque a moeda americana se deprecia ante as demais moedas de países emergentes ligadas a commodities (matéria-primas básicas, como petróleo e soja), mas o real segue perdendo força.
A alta, nesta quinta-feira (7), está em torno de 1,6% no meio da tarde, para R$ 5,39, a mais alta desde 23 de novembro de 2020. Ainda está longe da máxima histórica, registrada em 13 de maio, em R$ 5,90, mas abandonou há dias a fronteira dos R$ 5.
– O país vive um grande imbróglio, como se fosse um enorme e indomável polvo e seus tentáculos – afirma Nehme.
Então, por partes: para a moeda americana, o fortalecimento politico do futuro presidente Joe Biden, com a confirmação da maioria nas duas casas legislativas definida no histórico (no mau sentido) 6 de janeiro, acentua o conjunto de expectativas favoráveis no relacionamento dos EUA com as demais economias. Segundo o especialista em câmbio, isso retira tensões sobre o dólar, criando tendência de enfraquecimento.
Do ponto de vista do real, pondera Nehme, o Brasil segue envolvido em "um emaranhado de problemas e incertezas, que culminou com a contundência da afirmação do presidente de que o país está quebrado". A frase infeliz (na opinião da coluna, não do especialista) foi dita em um momento no qual o Brasil está inadimplente com compromissos internacionais, inclusive perante o Brics, o banco de desenvolvimento que une Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Além disso, observa que o fim do auxílio emergencial deixa uma população carente e desamparada ante a pandemia por "exaustão de recursos". Essa combinação, sustenta Nehme, reforça a severidade com que é observada a crise fiscal que aprisiona o Brasil, para a qual não vê saída imediata. Acrescenta que o agravamento severo da pandemia terá "efeito paralisante em parte da atividade econômica" em cenário sem "viabilização clara e indiscutível" do programa de vacinação, ainda muito politizado, inclusive com risco de falta de insumos complementares.
– O cenário global tem perspectivas gradualmente otimistas, mas o Brasil fica fora da curva de retomada e acaba sendo punido pelos seus próprios descasos com as tratativas acerca da pandemia e das reformas estruturais. Está enredado e enjaulado por si próprio – diz Nehme.