Empresário que comandou a transformação da Lojas Renner de grupo regional em gigante nacional, José Galló aderiu ao Transforma RS, originado em três entidades empresariais do Rio Grande do Sul (Agenda 2020, Polo-RS e Programa Gaúcho da Qualidade e da Produtividade, o PGQP). O grupo se dispõe a atuar, de forma voluntária, no apoio à gestão pública, na definição de projetos estruturantes (concessões, parcerias público-privadas, previdência complementar e renegociação da dívida estadual) e em projetos de futuro. Nesta entrevista, Galló faz alertas sobre a real situação do Estado e pede união para mudá-la. Também diverge do tom de rejeição empresarial à aprovação das propostas do governo do Estado sobre ICMS que devem ser analisadas nesta semana na Assembleia Legislativa:
– Talvez não seja a solução ideal, mas é a possível.
O que o levou ao Transforma RS?
É um grupo de pessoas e entidades que chegou à conclusão de que é necessário fazer algo, em conjunto entre o setor privado e o público. Só vamos conseguir voltar a nos tornar competitivos, a investir e manter nossos talentos no Estado se nos unirmos. Muitas pessoas não se dão conta da real situação do Estado. E não falo de pessoas sem informação, mas de líderes políticos e empresariais. O Estado tem dívida total de quase R$ 100 bilhões. E temos uma pendência suspensa por liminar. O orçamento realista apresentado à Assembleia prevê déficit de R$ 8 bilhões. Os inativos representam 60% da folha de pagamento do Estado, e o pagamento de pessoal consome 82% da receita corrente líquida. Sobra muito pouco para pagar dívida, mas quem faz dívida tem de pagar, no setor público ou privado. Estão acontecendo coisas interessantes, não falo de governo A ou governo B. Houve a reforma da previdência estadual, que significa redução de despesas de R$ 18 bilhões em 10 anos. Mas não resolve os problemas. Foi implantado o controle de gastos, a despesa com pessoal pode cair 2,4% em 2020. Vai começar o processo de privatizações e concessões. Precisamos mais. Temos de colocar nosso Estado em equilíbrio fiscal. É preciso que o Estado seja viável e administrável, viável. Há desafios, mas podem ser enfrentados.
Tem solução?
Há solução para tudo, desde que as pessoas se conscientizem. Há muito em jogo que está sendo discutido agora. Para fazer um orçamento realista, é preciso considerar também se a receitas previstas para melhorar o equilíbrio são incertas. Certamente, há caminhos. Eventualmente, pode surgir um novo regime de recuperação fiscal, que diminua o valor do pagamento da dívida e permite prorrogar por 10 anos. Mas não vamos conseguir aderir se não mostrarmos que vamos no caminho do equilíbrio fiscal. Precisamos mostrar que será possível cumprir nossos compromissos, de uma vez por todas.
Este Estado tem potencial, tem talentos, mas precisa se tornar atrativo, gerar novos polos de crescimento, de inovação. A capacidade de investimento do Estado é limitadíssima.
Foi para isso que decidiu se envolver?
Não consigo ver uma situação dessas sem tentar ajudar. Tenho muito para fazer, mas estou abrindo mão de 10% do meu tempo para contribuir. Não só eu, há vários outros. O presidente do Transforma RS é Daniel Randon, empresário e CEO, doa 20% do tempo para tentar construir soluções. Não adianta pensar cada um só no seu negócio. Este Estado tem potencial, tem talentos, mas precisa se tornar atrativo, gerar novos polos de crescimento, de inovação. A capacidade de investimento do Estado é limitadíssima. Temos de gerar receita para melhorar a infraestrutura, as estradas, as pontes. Isso é absolutamente necessário se queremos ter desenvolvimento. É preciso reduzir os custos de logística. Se comparar o nível de investimento do Rio Grande do Sul com o de outros Estados, dá pena. Em Santa Catarina, há recursos para investir, o que a torna mais competitiva.
Há muita resistência à manutenção das alíquotas de ICMS. Como um empresário como você vê essa questão?
Sou construtivista. Acredito que é preciso esgotar todas as possibilidades e alternativas de negociação para chegar à solução. É um ponto básico. Talvez não seja a solução ideal, mas é a possível. Muitas vezes na vida, para tentar construir um futuro melhor, para construir a base da melhoria seguinte, tem de ser a solução possível, não a melhor. Se pensar no futuro do Estado, não no mês seguinte, muito gaúcho vai concordar que essa é uma boa solução, porque nos dá tempo de construir algo sobre o que poderemos criar novas melhorias.
Benefícios e ônus têm de ser igualmente distribuídos em uma situação como esta. Não se pode fazer com que alguns participem de redução de despesas em condições muito diferentes de outros. É uma questão de lógica.
E como vê as tentativas do governo de mudar os repasses do duodécimo?
Em período de queda de receita, o ideal é compartilhar a necessidade de redução entre todos. Isso ajuda a encaminhar a solução para o problema. É para todos, não para o governo A, B ou C. Não sabemos quem vai ser o próximo governador. Estamos em uma situação em que todos os partidos deveriam saber que, se ajudarem na aprovação das medidas propostas, será bom para o próximo governo, seja qual for. Precisamos ter visão de longo prazo. Benefícios e ônus têm de ser igualmente distribuídos em uma situação como esta. Não se pode fazer com que alguns participem de redução de despesas em condições muito diferentes de outros. É uma questão de lógica.
O que falta para encaminhar uma solução?
Quero continuar morando aqui, neste Estado. As pessoas do setor público têm filhos, netos, que querem ficar aqui. Por isso, é preciso olhar para os dados de forma bem realista. Se não agirmos, a situação leva à inviabilidade do Estado, para um quadro de ruptura. Muitas vezes, a gente cria sonhos. Foi assim, por 10 anos, com Lei Kandir. Alguns pensavam que resolveria todos os nossos problemas. Quando saiu a decisão, são R$ 3,6 bilhões em 10 anos, o que não alivia a dívida de R$ 100 bilhões. Precisamos parar de construir soluções baseadas em ilusões e achar que vamos resolver o problema com liminar (a que suspende o pagamento da dívida com a União).
O RS perde espaço no Brasil. Essa é a realidade. É duro. Mas a gente só consegue resolver um problema quando cai na real, não ao criar névoa para não ver a realidade. A partir disso, podemos nos unir e construir um futuro para o Estado.
Se é preciso ter visão de longo prazo, como o Transforma pensa o futuro?
Estamos começando a formatar algo que seja a construção de um futuro que não seja alcançada só com o setor privado ou público. Estamos todos no mesmo barco, ou todos flutuamos ou todos afundamos. Existem belos exemplos de recuperação de países, Estados, cidades. O que há em comum é uma união construtiva. Esse futuro tem aspectos que o setor privado pode fazer, mas precisa de legislação, infraestrutura, desburocratização, facilidade de fazer negócios, agilidade. É preciso que as nossas entidades privadas se unam, usem a sua força e suas competências técnicas para trabalhar para construir um plano nesse sentido, que vai ter apoio e adesão. Todos precisamos flutuar e avançar. Hoje, não estamos avançando. O Rio Grande do Sul perde seu espaço no Brasil. Essa é a realidade. É duro. Mas a gente só consegue resolver um problema quando cai na real, não ao criar névoa para não ver a realidade. A partir dessa realidade, podemos nos unir e construir um futuro para o Estado. Hoje estamos perdendo talentos, empresas. Isso não pode continuar.
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