Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro mandou segurar a reforma administrativa, pronta pelo menos desde janeiro. Tanto, que provocou a famosa "debandada" da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Depois de observar o risco para seu governo com o temor de "furo no teto" e saída de Guedes, aceitou enviar a proposta ao Congresso, meio a contragosto.
Anunciou a decisão cercado de deputados do Centrão (veja imagem acima) e impôs tantas condições que a transformou quase em uma carta de intenções, porque é alto o risco de não haver qualquer mudança até 2022. A principal exigência foi de que as mudanças não afetassem os atuais servidores. O secretário de Gestão, Desburocratização e Governo Digital, Caio Paes de Andrade, tentou fazer do limão uma limonada: disse que era um exemplo de governo que segue regras de mercado e não rompe contratos.
A medida implodiu a projeção de economia de R$ 500 bilhões em 10 anos, que os técnicos acalentavam como grande contribuição da reforma administrativa para o ajuste fiscal. Agora, não arriscam fazer novos cálculos, embora circule informalmente uma estimativa que corresponde à metade: R$ 250 bilhões em uma década.
É bom lembrar que as despesas com pessoal são o segundo maior gasto do governo (sem contar o pagamento dos juros da dívida), previsto em R$ 337 bilhões em 2021. Só é menor do que a Previdência, com valor estimado em R$ 704 bilhões no próximo ano. Cortes nessa área fazem parte da estratégia mais ampla de "baixar o piso para não furar o teto".
Mudanças salariais e de regime de contratação não impactam os atuais servidores, mas um dispositivo poderá, sim, ser aplicado aos admitidos pelo regime jurídico único: a demissão por mau desempenho, já prevista na Constituição mas nunca regulamentada. Mas se for aplicada em volume suficiente para fazer diferença no orçamento, vai se tornar um escândalo.
Embora seja justificada como impossibilidade, porque a proposta teria "vício de origem" – interferência indevida em outros poderes –, a proteção à elite do serviço público é um péssimo sinal para a reforma. Será um obstáculo no embate político. E contradiz o discurso de campanha de Bolsonaro com críticas ao "establishment" e à "velha política".
Nas entrelinhas, os técnicos manifestam esperança de que o texto da proposta de emenda constitucional (PEC) seja melhorado no Congresso. Um desses casos seria a inclusão, nos cortes das distorções, dos chamados "membros de poder", que ficaram fora da reforma: magistrados, parlamentares, procuradores. Dado o cenário em que Bolsonaro anunciou a decisão de enviar a reforma administrativa, cercado de líderes do Centrão, é uma expectativa extremamente otimista, na melhor das hipóteses.