A grande maioria da humanidade conta os dias para o fim do isolamento, mas um empresário gaúcho não tem pressa para sair da quarentena. Flávio Obino Filho, proprietário do escritório de advocacia que leva seu nome, optou pela adoção do home office integral a partir de 19 de março. Cerca de 80 pessoas, entre advogados e colaboradores, passaram a trabalhar em casa. Obino refugiou-se no seu haras em Sentinela do Sul e diz estar "encantado" com a nova vida. Não só por conviver com família, cavalos e árvores, mas por cumprir, em um dia, agendas que levaria duas semanas para dar conta presencialmente. Prevê que terá de voltar a Porto Alegre para acompanhar os filhos, mas admite que "vai ser muito difícil".
Distanciamento
"Estou há quase 200 dias em uma propriedade rural em que crio cavalos de corrida, planto oliveiras e mantenho horta. Meus deslocamentos para Porto Alegre foram raros. Antecipei em alguns anos meu projeto pessoal de morar no haras. Eu, que passava metade do tempo em aviões e aeroportos, estou encantado com as videoreuniões e com o aumento da produtividade. Já comecei o dia fazendo palestra para sindicatos empresariais do Rio Grande do Norte, no meio da manhã participei de reunião com sindicatos varejistas de todo o Brasil, estive em uma reunião almoço sem almoço no Sindilojas de Porto Alegre, e à tarde negociei programas nacionais de participação nos lucros com a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio, com sede em Brasília. Precisaria de duas semanas para organizar essa agenda em ambientes presenciais. E abandonei terno e gravata depois de 25 anos."
Leitura e lazer
"Nos primeiros momentos, não desgrudei de programas de notícias da TV. Não sou muito de séries, estou lendo muito. Revisitei Vargas Llosa, li Daniel Silva, conheci o excepcional Joël Dicker (autor de A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert), devorei livros sobre produção de olivas e azeites, e continuei acompanhando os sites especializados em corridas de cavalo. Outro privilégio é almoçar e jantar todos os dias com minha esposa e meus três filhos. Estamos conversando sem pressa, trocando ideias, envolvendo todos nos projetos de produção rural e mesmo na sociedade de advogados (um dos filhos é estagiário no escritório) é o lado bom neste isolamento forçado."
Combate ao coronavírus
"Como optamos pelo isolamento completo, me assusto com a falta de solidariedade e o egoísmo de grande parcela da população. Achei que sairíamos mais solidários desta crise, mas aparentemente errei. Enquanto o empresário é sacrificado com o fechamento dos seus negócios e empregos são perdidos, seguem as aglomerações sociais. Também me causa espanto que não tenham sido adotadas medidas efetivas de proteção da população no transporte público em todo o país. Estou fazendo a minha parte. Sinto muita falta de abraçar meus pais e de conviver com meus amigos. Faço esse sacrifício porque quem tem correndo nas suas veias os princípios da solidariedade e da proteção social não pode agir de forma diferente."
Aprendizado
"Primeiro que, com todos os avanços tecnológicos do ser humano, continuamos suscetíveis a um vírus desconhecido que desorganiza toda a sociedade – que imaginávamos inabalável. Aprendi também que podemos ser muito mais felizes com muito menos."
Reflexões
"Minha qualidade de vida, mesmo que reconheça que vivo hoje em uma redoma, é muito melhor. Caminho ao sol quase todos os dias como meu cachorro, consigo remar com uma prancha de stand up nos dias menos frios, planto e colho quase tudo que como, eu e minha mulher nos revezamos na cozinha entre almoço e jantar, acompanhei o nascimento de vários potros nas madrugadas, e estou conversando diariamente com as minhas oliveiras, que estão floridas anunciando uma safra espetacular para 2021. Acho que a readaptação a Porto Alegre, São Paulo, Brasília e aviões vai ser muito difícil. É um desafio que não imaginava. Nas poucas vezes que estive em Porto Alegre, reencontrei meu mau humor e minha falta de tolerância. Quero continuar plantando e colhendo acelgas vermelhas, favas, coentro, rúculas selvagens, feijões, ervilhas tortas, e o manjericão e a erva doce com os quais faço meu chá diário. Quero intensificar a produção do meu azeite, Capela de Santana. Hoje tenho certeza de que posso viver esta vida simples, sem renunciar ao convívio próximo com meus pais e filhos, indo ao barbeiro – desde que me mudei não corto o cabelo –, ao hipódromo, a restaurantes, e a casas de amigos."