No início da noite de quinta-feira (28), o Conselho Monetário Nacional (CMN) tomou uma decisão polêmica, até pelo valor envolvido: transferiu R$ 325 bilhões do Banco Central (BC) para o Tesouro Nacional.
Parece apenas uma medida técnica, mas seus motivos são preocupantes: foi necessária porque o órgão encarregado de bancar a dívida brasileira estava, pela primeira vez em anos, com dificuldades para planejar os próximos vencimentos.
Em tecniquês, o Tesouro estava sob risco de ficar sem o chamado "limite prudencial", ou seja, uma quantidade suficiente de dinheiro guardado para quitar os compromissos da dívida pública dos próximos três meses.
É bom lembrar que esse pagamento está fora do teto de gastos, que se aplica apenas à chamada "despesa primária", que exclui o custo da rolagem do endividamento. Também é importante observar que os recursos do BC repassados ao Tesouro não saem diretamente das reservas, mas dos lucros que a instituição obteve, em reais, com os cerca de US$ 370 bilhões (cerca de R$ 2 trilhões, em valores de hoje) que mantém aplicados em títulos em moeda americana.
Mas a origem do "buraco" que o BC teve de tapar é a mesma que atormenta o ministro da Economia, Paulo Guedes: a explosão de despesas. O déficit público é a parte das despesas do governo que tem de ser coberto por emissão de títulos, ou seja, dívida. Neste ano, estava previsto em R$ 129 bilhões, e deve chegar a R$ 800 bilhões com as despesas extras relacionadas à pandemia, como o auxílio emergencial, que só nos primeiros cinco meses custou cerca de R$ 250 bilhões.
As negociações foram tensas porque, em movimentações anteriores do mesmo tipo, o BC foi questionado por estar financiando de forma irregular o Tesouro. Esse retrospecto fez a instituição resistir ao pedido do Tesouro, mas seu presidente, Roberto Campos Neto desenvolveu um raciocínio para legitimar a operação: como as reservas geraram dívida, está correto usar os ganhos do colchão cambial para sustentar os compromissos. É possível que a pandemia baste para justificar a transferência, mas se houver novos questionamentos, será preciso garantir uma boa estratégia de defesa.