O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
A crise do coronavírus acelerou tendências e testou a capacidade de adaptação dos negócios. Essa é a avaliação de Fernando Marchet, CEO da Bateleur Assessoria Financeira. Com sede em Porto Alegre, a empresa é especializada em fusões e aquisições, além de prestar consultoria de gestão. Marchet também atua como vice-presidente e coordenador da divisão de economia da Federasul.
Isolamento
"Inicialmente, fiquei 100% em casa. Agora, tenho feito um pouco de trabalho no escritório e outra parte em casa. Depende muito do dia. Na empresa, já usávamos muito o trabalho a distância entre as equipes. Não era um problema para a gente. Logo depois do Carnaval, quando houve a sinalização de que tinha alguma coisa errada, olhamos para as condições de tecnologia da casa de cada um dos colaboradores. Quando paramos, em março, todos já estavam basicamente preparados para fazer o trabalho remoto. Depois, fomos voltando aos poucos. Já tínhamos uma rotina bem puxada. Vou dizer que, em casa, só piorou. Dentro de algumas companhias em que atuamos, participamos de comitês de contingência. O principal trabalho junto às empresas é tentar olhar para frente. Tem sido bastante extenuante."
Lazer
"Acho engraçado quando vejo na televisão pessoas com tempo livre para fazer comida, ler muitos livros, ver vários filmes. Não foi meu caso. O espaço livre para lazer não aumentou. Diminuiu. Gosto de ler bastante, é uma rotina. Então, consegui continuar lendo alguns livros, mas não consegui me dedicar a leituras adicionais. Tivemos de dedicar bastante tempo a tudo que está acontecendo, até por conta do tipo de trabalho que fazemos. Atuamos com companhias de diferentes setores da economia. Realmente, algo muito diverso. A parada tem sido mais longa do que imaginava que seria. A gente teve uma dedicação importante para acompanhar o que estava acontecendo lá fora com companhias de diferentes setores. Tivemos uma produção muito grande de material. Mais do que ler, escrevi bastante nesse período, principalmente sobre a visão de como será depois. Produzimos alguns relatórios resumidos. Isso tem sido muito útil para nossos clientes, e para a gente também."
Aprendizado
"A gente vai, provavelmente, ter um bom período até a recuperação. A crise, infelizmente, ainda não está dada. Podemos ter efeito prolongado. Há muita incerteza, não só aqui, lá fora também. Sabíamos que algumas coisas já eram tendências, como digitalização e uso de canais remotos. Isso vinha acontecendo. A pandemia acelerou processos e testou a capacidade de rápida adaptação. A resposta, em geral, foi boa. A sociedade é adaptável. Obviamente, há alguns grupos que não conseguem."
Novo normal
"Tenho dúvida quanto à ideia de que o novo normal será totalmente diferente. O ser humano gosta de interações. Talvez, alguns protocolos mudem, e os governos enxerguem a importância de se trabalhar com precaução, desde o saneamento básico até outros aspectos de saúde. A sociedade vai utilizar ferramentas diferentes, aproveitar evoluções tecnológicas, mas não acredito que as pessoas não vão ter relações no trabalho. Inclusive, estávamos com a equipe em home office, e os clientes começaram a demandar nossa presença física. Atendemos a empresas no Interior, onde a velocidade de resposta à situação é diferente."
Reflexões
"Na minha carreira, tenho de fazer esforço grande para me lembrar das poucas vezes em que consegui almoçar em casa com minha esposa, que é nutricionista. Temos uma filha pequena, de três anos. Sentir-se perto dos familiares dentro de casa e dedicar tempo àquelas pessoas que você gosta são grandes lições. Não vejo meus pais desde o Carnaval. Eles ficaram totalmente protegidos, são do grupo de risco. Sinto muita falta deles. Vejo a falta que eles também sentem. Ficamos bastante isolados, evitamos contato até com amigos próximos. Sinto falta desse tipo de interação. Por menor que seja o tempo, valorizar o período com as pessoas que gostamos é bem importante. Só refletimos sobre essa oportunidade em momentos em que não há como ver as outras pessoas com frequência."