O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
O mineiro William Machado virou figura conhecida no futebol gaúcho entre 2006 e 2007, quando vestiu a camiseta do Grêmio. No Tricolor, foi campeão estadual e vice da Libertadores. Mais de uma década após deixar o clube, rumo ao Corinthians, o agora ex-zagueiro voltou a ter vínculo profissional com o Estado. Mas em uma área bem diferente. Desde o ano passado, atua como assessor financeiro do escritório Messem Investimentos, nascido em Caxias do Sul. O ex-jogador, que estuda Ciências Contábeis, trabalha em uma unidade da empresa em São Paulo.
Como surgiu seu interesse por investimentos?
Via ídolos do futebol do passado com dificuldades financeiras. Sempre me perguntava como isso era possível. Na minha cabeça, achava que eles tinham recebido muito dinheiro e poderiam ter torrado os recursos em farra. Era a resposta que encontrava. Quando virei jogador, passei a conviver com a realidade mais dura da profissão, da imensa maioria, que é ter salários baixos com contratos curtos. Tive a oportunidade de, enquanto isso, fazer faculdade de Ciências Contábeis (ainda não concluída). O aprendizado me ajudou muito a conseguir administrar o pouco dinheiro que ganhava. Quando passei a ganhar mais, bem mais para frente, já tinha mais maturidade. Estava com 27 para 28 anos. Ganhando mais dinheiro e convivendo com atletas que ganhavam muito mais do que eu, inclusive, percebi que não era só o fato de alguns terem comportamento ruim de esbanjar.
O que mais prejudicava esses jogadores?
Também estavam correndo risco alto porque apostavam em investimentos ruins. Como não tinham muito conhecimento, acabavam tomando decisões erradas. Aquilo acendeu uma luz. Aí comecei a entender por que ídolos do passado tiveram dificuldades após o término da carreira. Aquilo me fez refletir e pensar em como ajudar meus colegas de futebol. No primeiro momento, o que fazia era aconselhar os mais jovens dentro do vestiário. Às vezes, dava algum livro da área financeira bem didático de presente. Fui fazendo isso por conta da preocupação que tinha ao ler histórias de atletas que estavam em dificuldades.
Como foi a entrada no mercado financeiro?
Tirei a certificação de agente autônomo de investimentos. É uma prova bem capciosa, com muitas pegadinhas. Tive a felicidade de passar de primeira. Fiquei bem contente. Estou terminando a faculdade agora. Optei por dar uma parada durante a carreira de jogador. Quando cheguei ao Grêmio, vi que tinha de focar 100% no clube.
Venho de uma família muito simples. Meus pais tiveram de sair cedo de casa para trabalhar e não conseguiram terminar o primeiro grau. Então, valorizavam muito o conhecimento, porque tiveram limitação, e isso foi muito prejudicial no decorrer da vida deles. Meu pai sempre fala que conhecimento não ocupa lugar. Trago isso para minha vida desde que era jogador. Não tem uma pessoa que não possa, com esforço e dedicação, aprender algo novo durante a vida. O mercado financeiro é a mesma coisa. Tem questões que parecem difíceis, mas o brasileiro, de forma geral, pode aprender mais do que sabe, até para cuidar melhor do que ele tem.
Como é a rotina de trabalho hoje?
Moro em São Paulo. A Messem é um escritório oriundo de Caxias do Sul. Cresceu, abriu filial em Porto Alegre, depois em São Paulo e Brasília. Antes da pandemia, meu dia a dia era ir ao escritório de segunda a sexta-feira, por volta dos 8h, 9h. Dependia da agenda. Saia de lá por volta das 18h30min, 19h. Tenho clientes em São Paulo, mas muitos fora do Estado e fora do Brasil também. Fazer videoconferência já era um hábito. Hoje, tenho mais clientes de fora da área esportiva, inclusive, do que de dentro. É claro que sair do escritório não é uma das sensações melhores (em razão da pandemia), porque a troca de informações por lá é muito benéfica. Mas a gente entende o momento que está vivendo.
No futebol, você era zagueiro. No mercado financeiro, também é mais defensivo ou joga de atacante?
Continuo zagueiro (risos). Brinco que a defesa é o melhor ataque. Até bem pouco tempo atrás, víamos juro muito alto, a Selic estava em 14,25% ao ano. Então, era muito mais fácil ter uma postura mais defensiva. Com a queda na Selic, as pessoas têm de buscar maior exposição se quiserem maior rentabilidade. Mas o que falo é que não dá para deixar um time que joga em um padrão e ir para outro da noite para o dia. As pessoas precisam de tempo e conhecimento para poder transitar de um modelo de investidor para outro, do conservador para o moderado. O maior perigo é sair de um para outro de maneira muito rápida. O mercado é volátil, e a pessoa pode ser tragada por um momento de queda.
Como define sua relação com o Rio Grande do Sul?
Tenho um amor enorme pelo Estado, especialmente por Porto Alegre, onde residi. Parece que os mineiros e os gaúchos têm muito em comum. São povos mais desconfiados no primeiro momento, demoram um pouco mais para confiar nas pessoas. Quando confiam, criam amigos para o resto da vida. Tive a experiência muito positiva de jogar no Grêmio no momento em que o clube estava se reconstruindo. Quem ia jogar contra a gente no Estádio Olímpico sabia que, se saísse com um ponto de lá, poderia comemorar. Isso trouxe orgulho para o torcedor. Depois, o Grêmio conseguiu se posicionar de novo como equipe forte no cenário nacional e internacional. Fico muito feliz por ter participado da reconstrução. Fiquei mais feliz ainda quando meus caminhos se cruzaram novamente com gaúchos. Aí, conversei com o pessoal da Messem. Brinquei que queria um casamento, e não um namoro. Felizmente, está dando muito certo.