Ao proibir administradoras de cartão de crédito de participar do projeto de pagamentos via WhatsApp, o Banco Central (BC) determinou a suspensão total do Facebook Pay no Brasil, onde o sistema faria sua estreia mundial.
O projeto havia sido anunciado no dia 15 pela conta de Mark Zuckerberg em sua rede social, com parceria do banco cooperativo de origem gaúcha Sicredi. No comunicado do BC do início da noite de terça-feira (23), são citadas apenas Visa e Mastercard, mas a coluna checou e confirmou que todo o sistema está suspenso, inclusive para Banco do Brasil, Nubank e Sicredi.
No sistema financeiro e no ecossistema de inovação, há um forte debate sobre o que deu errado no movimento do poderoso Zuck. Uma das conclusões é que houve excesso de confiança ao escolher o Brasil para o lançamento mundial do sistema de pagamentos, porque o país é reconhecido internacionalmente como um dos que mais regula atividades financeiras. Na justificativa do BC, isso fica claro: "Nova solução de pagamentos depende de prévia autorização do BC".
No ecossistema de inovação, há uma controvérsia. Um grupo considera a decisão do BC limitadora de avanços tecnológicos que virão inevitavelmente e são importantes nesse momento de salto nas transações eletrônicas. O WeChat, espécie de equivalente chinês do WhatsApp, que estreou a funcionalidade de pagamento em janeiro de 2011, é sempre citado.
Nessa linha de raciocínio, operam no Brasil, sem restrições, sistemas semelhantes, como o Apple Pay e o Samsung Pay. Neste caso, o que pode ter feito diferença é a abrangência do WhatsApp no Brasil, que tem 120 milhões de usuários estimados no Brasil. O alcance seria muito maior do que os outros serviços.
No entanto, há outras ponderações. Uma fonte que tem familiaridade com sistemas de pagamento observa que as empresas de Zuck lançaram um produto que seria concorrente ao modelo aberto do BC, sem possibilidade de interagir com os demais, o que é chamado de "interoperabilidade" no segmento. Desse ponto de vista, o BC estaria tentando manter um ambiente que permita a qualquer fintech atuar no mercado em igualdade de condições, sem vantagens estruturais.
Seria, portanto, uma disputa de ecossistema fechado (caso do Facebook Pay) e aberto. O interesse de Zuck é operar no primeiro modelo, com vantagens para sua grande rede. Nesse caso, caberia de fato ao órgão regulador promover simetria e concorrência mais aberta.
— O BC sentiu que essa iniciativa, pelo poder do Facebook e pela penetração do Whatsapp no Brasil, poderia concentrar ainda mais o mercado de pagamentos no Brasil e prejudicar o modelo de Pagamentos Instantâneos brasileiro (PIX), que entrará no ar em novembro — reforça Daniel de Oliveira, da PaySmart.
O especialista lembra que o Facebook sempre teve a cultura de andar rápido e quebrar as regras, a base da disrupção. Isso se tornou um lema da companhia e é cultuado por muitos empreendedores. Mas lembra que o Banco Central, historicamente, tem postura firme em relação a arranjos de pagamento.
— O caso do WhatsApp é complexo. Pelo jeito não falaram com o BC e assumiram que por utilizarem trilhos já estabelecidos (bandeiras e credenciadores já regulados) seria tranquilo. Não foi — observa Oliveira.