Uma daquelas novelas gaúchas que se arrasta há anos sem solução ganhou nova possibilidade de desfecho positivo nas últimas semanas. A construção de uma usina térmica e uma unidade de processamento de gás natural em Rio Grande tornou-se alvo de um esforço de três esferas para se tornar viável: iniciativa privada e os governos federal e estadual. O projeto foi esboçado ainda em 2008, no governo Yeda Crusius, foi aprovada em leilão público em 2014 e deveria ter começado a operar no ano passado. Se der certo, o Estado poderá retomar um investimento de R$ 3 bilhões a partir de 2021.
O projeto inclui o recebimento de gás natural liquefeito (GNL), trazido por navios, e uma unidade de regaseificação, ou seja, para devolver o combustível a seu estado natural. Transformá-lo em líquido, por redução de temperatura e aumento da pressão, facilita o transporte, mas é necessário recuperar o estado gasoso para consumo. A retomada começou com o compromisso de venda dos direitos de executar a obra pela Bolognesi Engenharia ao Grupo Cobra.
Já houve outras tentativas de fazer essa negociação, inclusive com um grande fundo de investimento dos Estados Unidos, mas agora o novo interessado já tem um pé no Rio Grande do Sul. O Cobra faz parte de um grande conglomerado espanhol, a ACS, que também tem sob seu guarda-chuva a Cymi, parte do consórcio Chimarrão, que executa uma obra de R$ 2,4 bilhões no Estado no segmento de transmissão de energia, em parceria com o fundo canadense Brookfield. Ou seja, trata-se de um grupo que já conhece o Estado e vê complementariedade entre as operações.
Como as tentativas anteriores travaram na falta de liberação ambiental, representantes do Cobra identificaram que o problema era a objeção do Ministério Público Federal em Rio Grande à instalação de um terminal flutuante para descarregar o GNL. Assim, aceitaram mudar o projeto para descarga em terra. Diante dessa nova possibilidade, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) concordou em prorrogar a outorga (permissão para construir a obra) que estava ameaçando cassar. Para garantir que isso ocorresse, o próprio governador Eduardo Leite se reuniu com a direção da Aneel.
Para o governo do Estado, há vários interesses. Além de viabilizar um grande investimento, diversifica o suprimento de gás e torna a futura privatização da Sulgás mais atrativa. Também diminui o desembolso com o pagamento do gasoduto Brasil-Bolívia, até agora a única fonte do Estado. E ainda tem perspectiva de arrecadação anual de R$ 400 milhões em ICMS, quando operar a pleno. Para as empresas, um dos fatores que recuperou a atratividade do projeto foi a queda do preço internacional do petróleo, e por extensão, dos combustíveis. Com menor preço do GNL, a importação se torna possível mesmo com a alta no dólar. As dificuldades em Rio Grande quase levaram o empreendimento para o Nordeste.
A solução passa pelo porto de Rio Grande, que tem de encontrar um local para a instalação do armazenamento de GNL. Fernando Estima, superintendente do porto, confirma que está em busca de uma solução. A mais imediata seria o uso da capacidade já instalada da empresa norueguesa Odfjell, também conhecida como Granel Química, que opera no local e está disposta a arrendar espaço. Isso permitiria ganhar tempo para, mais tarde, o Cobra instalar capacidade própria.
Outras fontes que acompanham a negociação avaliam que, se tudo der certo, será possível ter obras no início de 2021.