A decisão do governo da Argentina de não participar de novas negociações com países fora do Mercosul foi uma espécie de oficialização das discordâncias do presidente Alberto Fernández sobre as ambições do bloco. Passado o primeiro impacto, porém, a percepção é de o suposto rompimento é mais superficial do que parece. Não há qualquer reflexo sobre o comércio entre os países do bloco, e a decisão parece ter sido desenhada sob medida para responder politicamente a sua base eleitoral sem inviabilizar as exportações do país.
Entre analistas de relações internacionais, foi um alívio o fato de Fernández garantir que não vai contestar os acordos fechados, mas ainda não implementados, com a União Europeia (UE) e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), formada por países europeus que não estão na UE (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).
– A decisão argentina não tem grande impacto no curto prazo, já que o país concordou em avançar com UE e Efta. Na realidade, tem um lado positivo, ao liberar Brasil e demais para avançar rapidamente nas demais negociações – avalia Walter Barral,sócio fundador da consultoria de negócios internacionais BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior.
O acordo entre Mercosul e UE só foi fechado porque o governo anterior, de Mauricio Macri, parou de oferecer resistência. Quando Fernández ganhou a eleição, com Cristina Kirchner como vice, havia temor de que se ocupusesse a avançar, fazendo com que o acordo duramente conquistado naufragasse. Como isso não ocorreu, os dois blocos ficam liberados para manter o cronograma.
Há expectativa de que possa haver avanços no segundo semestre, quando a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, assume a presidência do Conselho Europeu. Mas o fato de a Argentina não se opor não garante que as conversas vão evoluir. A missão seria desafiadora em qualquer cenário, porque é preciso aprovação de 30 parlamentos nacionais. Em um cenário de crise econômica global, período em que os países costumam ficar mais protecionistas, a tarefa terá mais obstáculos do que os previstos.
Para Barral, no médio prazo a Argentina terá de aceitar os acordos como negociados ou ficará fora, o que pode causar dificuldades na administração do comércio regional, principalmente nos pontos de regras de origem. Antes, porém, seria preciso que alguma outra negociação avançasse, o que não está nessa janela de tempo. Uma das mais adiantadas, com a Coreia do Sul, enfrenta a oposição da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que aponta risco de perdas de US$ 7 bilhões para o Brasil nas trocas entre os dois países.
No governo brasileiro, há expectativa de que a restrição argentina abra caminho para o Brasil fechar acordos bilaterais. Mas esse caminho enfrentará o mesmo cenário de menor disposição a aberturas de mercado, especialmente no caso do grande sonho do governo Bolsonaro, que é um acordo com os Estados Unidos de Donald Trump. Até porque será preciso esperar as eleições de novembro nos EUA para saber se Trump segue no comando a partir de janeiro de 2021.