Alberto Fernández não está em condições de imprimir na Casa Rosada o lema “Hacer la Argentina grande otra vez”, versão latina do “Make America Make Again”, de Donald Trump. Mas é o que parece. A decisão do presidente peronista de chutar o balde diplomático na reunião de sexta-feira do Mercosul se assemelha às medidas populistas e protecionistas típicas do americano a quem os kirchneristas costumam criticar. Fernández fechou a Argentina a acordos comerciais no auge de uma pandemia, paralisando o Mercosul e o deixando à beira do abismo.
Só não é um “Brexit” em sua totalidade porque os hermanos não saíram legalmente do bloco. Mas não há garantias de que isso deixará de ocorrer no futuro.
O Mercosul não é uma entidade política supranacional como a União Europeia. Trata-se de apenas uma união aduaneira. Ou seja, o livre-comércio está na essência do bloco, sua pedra fundamental. Logo, se a Argentina deixa de participar de acordos comerciais, na prática, lava as mãos e dá à decisão de sexta-feira o mesmo peso de uma saída.
O argumento argentino é de que abandona as negociações futuras para cuidar das empresas nacionais em razão da covid-19. A pandemia, aliás, tem servido de justificativa para processos políticos que, até janeiro, ninguém imaginava: um deles é o risco de uma desglobalização. Outro é a falência dos blocos políticos e econômicos, como a própria União Europeia, rachada ao meio entre nações do Norte e do Sul.
Em meio a crises severas, as relações internacionais costumam ocorrer de duas formas: pela colaboração ou pelo isolamento. Em geral, sob pressão, governos escolhem a segunda opção, recrudescendo fronteiras, fechando-se para cuidar de seus quintais. É o que fizeram os Estados Unidos. É o que faz a Argentina.
Embora a covid-19 sirva de argumento momentâneo, a decisão do governo Fernández provavelmente já estava tomada antes da pandemia. O Mercosul respirava por aparelhos havia tempos. O acordo fechado com a União Europeia foi apenas um hiato no caminho do abismo.
A cúpula de Bento Gonçalves foi pouco resolutiva, e não havia sequer representatividade, com presidentes que em dias ou semanas deixariam o poder – como o argentino Mauricio Macri e uruguaio Tabaré Vázquez. A foto final tinha a moldura da crise.
Fernández não tem relação com Jair Bolsonaro, com quem nunca se encontrou desde que tomou posse, e mantém distância cordial do uruguaio Luis Lacalle Pou e do paraguaio Mario Abdo Benítez. No texto enviado aos parceiros, anunciando a decisão, o governo argentino pontua que “fez da proteção das empresas locais e dos mais pobres uma prioridade diante da pandemia de coronavírus. Faz isso em contraste com as posições de alguns parceiros (grifo meu), que propõem uma aceleração das negociações para acordos de livre comércio com Coreia do Sul, Singapura, Líbano, Canadá e Índia, entre outros”.
Nem a linguagem diplomática do texto oficial esconde que, como pano de fundo, estão as divergências ideológicas com os vizinhos.