Há um farto repertório de crises no currículo do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Tanto no governo quanto fora, esse economista já aprendeu com várias turbulências. No ano passado, previu que 2019 seria perdido para crescimento ainda na metade do ano. Otimista, avalia que a nova onda de temor provocada pelo coronavírus não tem a mesma gravidade da Grande Recessão iniciada em 2008. Para garantir que isso não ocorra, porém, diz que o governo federal tem de fazer sua parte.
Qual o papel do governo em uma crise como esta?
Aos governos, cabe buscar minimizar os efeitos do coronavírus na atividade econômica, no sentido de fazer com que o evento produza impacto negativo menor. Mas tenho observado duas coisas preocupantes. Vejo o governo paralisado. O ministro (Paulo Guedes, da Economia) diz que está muito tranquilo e que o câmbio é flutuante. Mas a situação não é de normalidade. Nesse momento, o governo não pode cruzar os braços. Tem de agir, primeiro para reduzir a volatilidade. O governo e o Banco Central (BC) não devem influir no nível da taxa de câmbio. Mas é obrigação do governo evitar oscilação excessiva, que pode levar empresas a falência. Todos os modelos dizem que a taxa de câmbio deveria estar entre R$ 4 e R$ 4,20. Está em R$ 4,70. Uma empresa que tem de pagar uma fatura de importação ou compromisso de empréstimo no Exterior pode levar uma pancada para a qual não está preparada, porque não se imagina que o dólar se valorize de 10% a 15% em uma semana. Não deveria caber ao ministro falar em câmbio, mas ao BC, que conhece os efeitos de uma grande desvalorização do real.
No governo, gente que já enfrentou crise é o Mansueto (de Almeida, atual secretário do Tesouro). O resto é gente competente, preparada academicamente, mas que estão como cegos em tiroteio, sem saber o que fazer.
Mas o atual ministro conhece bem o mercado, ainda que do outro lado do balcão, não?
Sim, mas nunca esteve do lado de cá do balcão, gerenciando crise. No governo, gente que já enfrentou crise é o Mansueto (de Almeida, atual secretário do Tesouro). O resto é gente competente, academicamente preparada, mas que estão como cegos em tiroteio, sem saber o que fazer. Vejo o governo paralisado. É correto falar em reforma, mas é preciso fazer mais. Falta um líder. Em momentos com este, aumenta o senso de urgência da classe política, e o ambiente fica mais favorável ao avanço de reformas. Mas precisamos de um presidente da República que assuma a liderança do processo, que articule no Congresso, que defenda ideia de que é preciso avançar. Mas o presidente continua com a ideia de que não precisa de coalizão. É o líder de um governo minoritário, que renuncia ao papel essencial de coordenar o jogo político. Acha que papel dele é encaminhar projetos e fazer discurso que de é temente a Deus e tem respeito às Forças Armadas.
O que mais lhe preocupa?
A segunda coisa que preocupa é a crescente quantidade de acadêmicos sem nenhuma experiência de governo que, lá de suas cátedras ou organizações, afirmam que é preciso eliminar o teto de gastos. Isso é uma estupidez, com todo respeito a quem disse. Primeiro, que a PEC 95 prevê que, em caso de epidemia ou calamidade, cabe ao governo propor créditos extraordinários, sem que conte para o teto. O que esses acadêmicos bem intencionados não percebem é que teria de mudar a Constituição. Isso levaria seis meses. Depois, fazer investimento não é assim como quem compra pipoca. Pressupõe projeto, pode levar de um a dois anos.
A medida mais eficaz é a que põe dinheiro no bolso das pessoas.
O que seria possível e responsável fazer?
É parte da cultura da classe política brasileira achar que dinheiro nasce em árvore. Tem senador propondo voltar a regra do salário mínimo. Mas já se sabe, desde que o Mar Morto estava doente, que aumento de salário acima da produtividade provoca inflação. Se fosse tão fácil, era só multiplicar por 10 que resolvia o problema. A medida mais eficaz é a que põe dinheiro no bolso das pessoas. A liberação de FGTS é uma medida correta. Alguns países estão isentando o trabalhador do pagamento da contribuição à Previdência por dois ou três meses. A Itália está negociando com o sistema financeiro para prorrogar todas as dívidas, tanto de empresas quanto de pessoas físicas. Nem precisaria tanto no Brasil.
Qual o tamanho do risco, na sua avaliação?
Se a coisa se avolumar e as incertezas crescerem muito, pode haver uma contração do sistema financeiro e as empresas começarem a quebrar por não ter como descontar duplicatas. Se não pagar as dívidas e os salários, quebra. Por isso é importante atuar para os segmentos que podem sofrer muito, que são as pequenas e médias empresas e o trabalhador de menor renda. Mas o governo parece sem rumo. O ministro disse que está "muito tranquilo", mas parece estar no convés do Titanic. Precisa mudara de discurso. Precisa agir e, ao mesmo tempo, evitar cair na demagogia e na desinformação dos que não conseguem avaliar os custos que adviriam de medidas como a revisão do teto de gastos. Quem ganha até três salários mínimos poderia ficar três meses sem contribuir à Previdência. E não pode botar Banco do Brasil e Caixa para dar dinheiro para todo mundo. Isso já deu errado mais de uma vez. É preciso que o governo assuma a liderança. Na Tendências, reduzimos nossa projeção de 2,1% para 1,6% neste ano, ainda assim sujeita a chuvas e trovoadas.