Trecho mais estruturado do discurso de posse de Jair Bolsonaro no Congresso, a guinada
na economia foi apresentada por seu viés virtuoso – expressão empregada pelo presidente para marcar a nova etapa. Frustraram-se as expectativas de um tom mais mais conciliador na posse, já que predominou o espírito provocador de seus tuítes durante a campanha.
Mas sobre economia, falou em confiança, livre mercado, eficiência, assegurou que regras, contratos e propriedades serão respeitados e avisou que fará as reformas estruturais "essenciais para a saúde financeira e sustentabilidade das contas públicas". Soou inspirado em anotações do ministro da Economia, Paulo Guedes:
– Precisamos criar um círculo virtuoso para a economia que traga a confiança necessária para permitir abrir nossos mercados para o comércio internacional, estimulando competição, produtividade e eficácia, sem o viés ideológico.
O prometido desbaste do Estado será cumprido pela equipe econômica com medidas de 30, 90 e 180 dias – depois disso, a reforma da Previdência deverá estar aprovada, na expectativa da equipe. As primeiras serão simbólicas, explicou à coluna um integrante da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, da "visão diferente do Estado" que começa a ser aplicada hoje. O objetivo é dar sinal positivo à sociedade e mostrar "confiança de que o cidadão é honesto e cumpridor" – confiança foi uma das palavras do discurso. Instrumentos legais já estão redigidos há mais de uma semana e vão aparecer logo no Diário Oficial da União. Além de ampliar o alcance da lei federal de setembro passado, que extinguiu a exigência de reconhecimento de firmas e autenticação de cópia de documentos – apenas para a burocracia do serviço público –, vão encurtar prazos para abrir e fechar empresas.
– O presidente disse que quer tirar o Estado do cangote do empresário, e vamos fazer isso – disse o integrante da equipe de Guedes.
A nova gestão está baseada na presunção de que o cidadão brasileiro é honesto e cumpridor de seus deveres. Mas também pretende fiscalizar com lupa todas as formas de arrecadação compulsória, como o Sistema S e até conselhos profissionais que cobram para registrar, fiscalizar e disciplinar atividades regulamentadas. Organizações como Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Federal de Economia – só para dar exemplos – estão na mira.
O desejo de mudanças se estende à Lei de Licitações, a famosa 8.666/1993. Depois da Operação Lava-Jato, ficou evidente que as regras não são mais adequadas às necessidades do país. Existe uma proposta de modernização da 8.666 no Congresso, que também travou com o apagão do governo Temer. Um dos argumentos é de que o setor público pode acessar um conjunto de informações sobre preços, via notas fiscais eletrônicas, que ajuda a coibir abusos. Seria um instrumento para coibir sobrepreços. Há uma nova lógica no poder, que vai sacudir a forma como a economia brasileira operou até agora.
Mínimo e diesel – As duas medidas que Michel Temer deixou pendentes poderiam constranger outro presidente e outra equipe econômica. Não Bolsonaro e a turma de Guedes. No caso do salário mínimo, a frustração da expectativa de cruzar a barreira de R$ 1 mil poderá ser atribuída com tranquilidade ao cumprimento da regra que prevê reposição da inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB de dois anos antes. Essa fórmula será revista para 2020, mas foi um conveniente argumento. No caso do diesel, como subsídio é palavrão, nem precisa gastar saliva. Mesmo com o aumento de 2,5% da Petrobras, o valor na bomba deve ficar menor do que o patamar em que estava quando houve a greve dos caminhoneiros. Só vai constranger se os preços voltaram a se inflamar.