Que o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai impactar o mercado financeiro, não há qualquer dúvida. Mas há uma curiosidade na data prevista para a decisão, 24 de janeiro. Será véspera de um feriado em São Paulo, onde funciona a bolsa de valores – é aniversário da cidade. A perspectiva é de que o resultado seja conhecido pouco depois do meio da tarde. Caso seja retardado, a reação no ponto mais sensível a novidades será adiado por um dia, para uma sexta-feira. Essa peculiaridade pode atenuar ou aprofundar o efeito, dependendo de horário e inclinação dos desembargadores.
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, é um raro keynesiano à frente da análise de uma corretora de valores. Isso faz com que tenha o pulso do mercado, mas também um olhar crítico frente a seus movimentos. Nesta entrevista, adverte que a decisão sobre Lula terá, sim, reflexo imediato no mercado – a bolsa sobe em caso de condenação e cai em caso de absolvição –, mas em seguida volta a atuar com a lógica em que opera desde sempre, colada no desempenho de Nova York, que bate recordes atrás de recordes, suscitando inquietações de uma nova bolha em formação.
Mercado de toga
"A bolsa vem respondendo de forma bastante benigna a impulsos externos. É um erro recorrente de analistas do mercado financeiro local creditar os movimentos da bolsa e dólar a fatores meramente domésticos. Só para colocar em perspectiva, em 2014 o câmbio disparou e correu um monte de gente para falar 'isso é porque a Dilma vai ganhar'. Não era só isso. O petróleo saiu de US$ 100 e foi para US$ 30. Agora, existe uma condição externa bastante benigna. Sobre o julgamento, na eventualidade de a candidatura de Lula ser impedida, que parece que vai ser o caso, é provável que haja alguma euforia, algum ânimo. Mas temos de lembrar que dia 25 é feriado em São Paulo. Não vai ter bolsa. O mercado vai ficar animado a curto prazo. Mas Lula, mesmo estando impedido, continua tendo poder relevante. O mercado vai começar a ver a quem ele vai emprestar esse capital político, e aí vai começar a reagir. O mercado trabalha com a hipótese muito ingênua de que vai surgir um candidato pró-reforma. Quando provocada em pesquisas, a população demonstra ser contra a reforma. Não estou entrando no mérito se a reforma é boa ou ruim, mas a aprovação de Lula, até a melhora de imagem dele, a baixa aprovação do Temer, tudo sinaliza que a população não quer (a reforma)".
Hipótese de absolvição
"Vai haver uma bela queda, em um primeiro momento. Mas logo depois volta a funcionar a dinâmica externa. Ter uma realização agora seria bastante saudável, porque já subiu bastante e, se o mercado está operando com a hipótese de vir um candidato pró-reforma, sugiro cautela de novo. Mas como as condições de liquidez lá fora estão boas, a bolsa volta a recuperar. Em um primeiro momento, vai ser um susto forte, mas depois acho que você tem uma situação de volta a um patamar".
Outras hipóteses
"Se houver pedido de vista, por exemplo, o mercado fica mais pessimista. Lembrando que, em ambos os casos, vai ter uma oscilação mais forte que depois vai migrar para uma tendência de relativa alta. As condições de liquidez ainda são muito positivas. As bolsas emergentes estão subindo como um todo. O que é ingênuo no mercado é a ilusão monetária. A gente olha bolsa e dólar e pensa que vai bem, mas na verdade está indo bem por fatores alienígenas à realidade brasileira. Aqui, a bolsa subiu 26% em 12 meses. Na Coreia do Sul, subiu 19%, no Chile, 35%, na Colômbia, 10%, na Turquia, 47%, na Índia, 27%. Foi bem generalizado. Imagine que você está sentado em uma cadeira em Frankfurt comprando e vendendo no mercado emergente. Você compra e vende real brasileiro. Você não compra e vende lira turca. É outro jogo. O real e a bolsa brasileira oscilam muito em função da dinâmica externa. Se o Lula não for condenado, volta a subir ou para de cair por conta de fatores externos".
Risco de bolha
"É alto. O S&P 500 (índice da bolsa de Nova York) bate recorde atrás de recorde. Ao mesmo tempo, a volatilidade medida pelo Vix (indicador de altos e baixos na bolsa) é uma das menores da história. Volatilidade baixa quer dizer que o mercado está todo na mesma direção. No caso, só de alta. Quando todo mundo acha a mesma coisa, todo mundo está errado. Volatilidade tão baixa não é normal. É uma das evidências de que existe bolha. Se houver realização (queda nas bolsas) lá fora no meio do ano, pode ser atribuído a questões eleitorais, mas estará errado. A bolsa brasileira oscila muito colada à de Nova York e às commodities. A bolsa subiu muito em 2017. Por quê? Governo Temer fez um déficit do tamanho de um cão, política fiscal expansionista, estão muito mal explicadas as questões de corrupção".