A ascensão do bitcoin, tanto na cotação como o ingresso no universo formal do mercado financeiro, trouxe dúvidas básicas sobre essa moeda virtual gerada por computador. Rodrigo Batista, dono da Mercado Bitcoin, uma empresa que faz câmbio em bitcoins, ajuda a entender esse novo universo financeiro. E mesmo afirmando não ver bolha, adverte que é preciso "estômago" para apostar agora nesse ativo.
A criação
"Atende a uma necessidade de mercado. O jeito mais eficiente que a humanidade criou para fazer pagamentos foi o dinheiro. Permite pagamento muito rápido, não precisa intermediário, banco, empresa de pagamento. E não precisa de relação de confiança entre quem faz a transação. Quando começou o comércio eletrônico entre 1994 e 1995, foram feitas adaptações de pagamento eletrônico: cartão de crédito, débito, boleto, no caso do Brasil. O pagamento perdeu características e deixou de ser rápido. No Brasil, quem recebe com cartão de crédito leva 30, 40 dias. O custo deixou de ser zero e, dependendo da transação, chega a 10%. Precisa de intermediação de instituições financeiras e de contratos entre essas instituições. Surgiu a necessidade de algo que funcionasse na internet como a cédula – rápido, barato, sem intermediários, sem contrato, anônimo. Esse "algo" demorou um pouco para surgir. Só em 2009 foi criado o primeiro "algo", que foi o bitcoin".
O que representa
"Há duas grandes sacadas: para criar um bitcoin, é preciso gastar uma capacidade de computação e de energia muito grandes. O que gera o bitcoin é isso, gasto de energia e poder de computação para gerar uma unidade. E depois cada unidade criada a mais protege a anterior. São amarradas. Por isso existe o blockchain, a cadeia de blocos. O bitcoin é um ativo escasso que precisa de muita computação e muita energia elétrica para gerar, a ponto de ficar proibitivo falsificar. No limite, é isso que é uma unidade de bitcoin. Com o tempo, vai ficando inviolável".
A segurança
"É seguro, como o pagamento à vista. O anonimato é a grande força do bitcoin. Surgiu no meio da crise de 2008/2009, como uma resposta à forma como o dinheiro é governado. Geralmente são instituições que guardam bitcoins para alguém. Assim como existem roubos em bancos, postos de gasolina, ou instituições que lidam com dinheiro, também acontece com bitcoin. Na verdade está causando uma corrida na indústria da segurança digital porque agora é preciso lidar com ativos de alto valor guardados, não só documentos. 100% dos roubos não ocorreram por conta de como funciona o bitcoin, mas sim das entidades responsáveis pela guarda".
O limite
"O site coinmarketcap.com mapeia mais de 1 mil moedas digitais e diz quanto cada uma tem em circulação. O bitcoin tem em torno de 17 milhões de unidades. O limite da emissão chega a 21 milhões de unidades. Esse limite está no software que o inventor anônimo criou. É um número imutável, matematicamente não faz sentido mudá-lo".
A alta
"Não está relacionada ao limite, mas às notícias de que a bolsa de Chicago e outras duas bolsas, CBO e Nasdaq, vão listar produtos com preços vinculados ao bitcoin".
A falsificação
"É uma impossibilidade. Por isso que essa tecnologia tem ganho tantos adeptos. Os anônimos que criaram foram bem inteligentes, é uma arquitetura de software impressionante. É simples e inovadora. Para quem gosta de computação, é bonito".
O uso
"Está aumentando o número de estabelecimentos e de pessoas que aceitam pagamento em bitcoins. Podem ser usados para comprar apartamentos, por exemplo. Nos EUA, a Microsoft aceita para pagar produtos e serviços. Wikipedia, Cruz Vermelha e Greenpeace aceitam como doação. Outra alternativa é fazer câmbio, para reais e outras moedas".
A bolha
"Sou do time que não vê bolha. O mercado está tentando descobrir quanto vale essa tecnologia. Hoje, se somar todos os bitcoins em circulação, há em torno de US$ 290 bilhões. A Apple vale cerca US$ 900 bilhões, três vezes mais. Para mim, o bitcoin vale algumas Apples, não um terço de uma. O preço costuma aumentar no final de ano, entre novembro e dezembro".
A mineração
"Quando começou, qualquer pessoa com um notebook potente podia minerar bitcoins. O ganho é proporcional à capacidade de processamento. Com o tempo, equipamentos foram criados, com chip específico. Você pode minerar, mas estatisticamente, não vai ganhar nesta vida, então não faz sentido. Hoje, a mineração está concentrada em grandes empresas que conseguem desenvolver microchips e fazê-los funcionar gastando pouco com energia elétrica. Essas empresas se concentraram em lugares frios, no norte do planeta – Estados Unidos, Canadá, Alasca, norte da Europa, Finlândia – para reduzir o custo do resfriamento necessário para as máquinas, que aquecem com o processamento".
Os bilionários
"Os mais famosos são os chamados "gêmeos do Facebook" – Tyler e Cameron Winklevoss chegaram a processar Mark Zuckerberg pela ideia original da rede social. O suposto criador, Satoshi Nakamoto, que ninguém sabe exatamente quem é e nunca usou bitcoin, teria 1 milhão de bitcoins, pela cotação atual seriam US$ 17 bilhões".
A volatilidade
"No spot (mercado presente, à vista), o bitcoin é muito volátil. Talvez a entrada no mercado futuro tenha potencial para reduzir essa volatilidade. No formato em que está sendo listado, há uma série de exigências de capital, de garantias de quem vai operar. Na Cboe, primeira bolsa que listou, colocou circuit braker (mecanismo que interrompe negociações em caso de variações bruscas) para cada 10 pontos percentuais. Entre domingo e segunda, parou duas vezes porque aumentou 20%. Essas travas talvez ajudem a reduzir a volatilidade no mercado spot. Mas é chute, porque é uma coisa muito nova. Até agora, estava em terra completamente selvagem, tão selvagem que era mais volátil que o próprio mercado futuro".
O risco
"No longo prazo, acredito que vai ser bem mais valioso do que é, mas tem de ter estômago e estudar antes, porque o bitcoin passou por fases de aumento e queda acentuados. Se a pessoa não tiver essa consciência e não estiver disposta a correr esse risco, melhor não entrar nesse momento, esperar as coisas ficarem mais claras. É um dos ativos mais arriscados para se colocar dinheiro hoje. Como existem mais de mil moedas (virtuais criptografadas) hoje, nada garante que uma não seja melhor e tome o lugar. O bitcoin aumentou cerca de 15 vezes neste ano. A ligthcoin subiu mais de 40".
O blockchain
"Cada moeda tem seu próprio blockchain, não existe um único. Cada uma tem seu próprio banco de dados, sua própria estrutura de armazenamento. Algumas são mais parecidas com o bitcoin, como o lightcoin. É uma cópia, foram alteradas algumas coisas. O ether, que é a segunda maior moeda, tem estrutura bem diferente. Antes, quando o bitcoin subia, as outras seguiam. Agora, é o contrário: sobe o bitcoin e as outras caem. A relação entre as moedas está mais fraca".
A perda
"Ocorre bastante. O bitcoin funciona como uma cédula. Imagina que uma cédula sua caia em uma enchente. Foi embora, nunca mais recupera. Para acessar o bitcoin, é preciso guardar uma senha. É um conjunto de caracteres que se chama chave privada. Se perder, acabou, não tem como recuperar. Eu mesmo tinha poucos bitcoins no celular e não fiz backup. Perdi o celular e os bitcoins foram junto".
O resgate
"Só com backup. Pode ser no e-mail. Mas é preciso guardar essa sequência específica de caracteres. A chave privada tem cerca de 65 caracteres, letras e números. Não é a pessoa que cria, é gerada aleatoriamente. Quem tem boa memória, pode ter essa chave na sua cabeça e nenhum outro lugar. Se essa chave de acesso tem 10 bitcoins, R$ 600 mil. Se decorar e destruir qualquer registro, os bitcoins estão na sua cabeça".