No início de setembro, uma estimativa do economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, chamou atenção da coluna. Logo em seguida à divulgação do PIB do segundo trimestre, começou um amplo processo de revisão de projeções para o crescimento da economia, das quais a de Cristiano era a mais otimista: chegava a 1% de alta para este ano e 3,7% para 2018. Em pouco mais de um mês, as projeções consensuais se aproximaram das do economista, e até o Fundo Monetário Internacional (FMI) já prevê avanço de 0,7% neste ano. Se o otimismo virou consenso, o que o otimista vê agora? Com essa curiosidade, a coluna voltou a ouvir Cristiano, 41 anos, filho de gaúchos, formado em Economia pela USP com mestrado pela FGV.
Você imaginava que o otimismo viraria consenso?
Na verdade, sim. O que questionava, há cerca 50 dias, era por que parcelas significativas do mercado não viam esse cenário como o mais provável, já que a maior parte das variáveis já estava dada. Os sinais de que a economia brasileira iria crescer mais perto de 1% neste ano do que de zero, que era o consenso anterior, entre 0,2% e 0,3%, eram sementes que já estavam plantadas e já estavam começando a germinar.
Quais eram essas semestres?
A primeira foi a melhora dos índices de confiança do lado real da economia, da indústria, dos serviços, do comércio e da construção civil. A segunda, o início do impacto da redução da taxa de juro. A terceira, a melhora da renda disponível oriunda da queda forte da inflação que vem ocorrendo desde o final do ano passado. Esses três fatores, na minha visão, explicam uma recuperação acentuada que veríamos ao longo do ano da atividade econômica no Brasil. Os economistas têm modelos econométricos cujas variáveis explicativas são essas _ a confiança, a queda no juro, o aumento na renda. Tudo isso, nos modelos do Fibra, mostravam a recuperação da economia no segundo, terceiro e quarto trimestres de 2017. Por isso, já trabalhava com um cenário mais otimista do que a média de mercado desde então.
O que explicaria a diferença entre a projeção dos modelos e a dos economistas?
Não sei responder pelos outros. Talvez, para alguns, possa ter havido o efeito da crise política. É verdade que, em algum momento, todos nós economistas chegamos a pensar que crise política teria um efeito sobre o crescimento. No entanto, ficou claro, já nas primeiras semanas após o início da crise, que o efeito seria muito pequeno, porque a curva de juro do mercado e prêmio de risco-país retornaram não só ao patamar pré crise, mas um patamar inferior ao do início da crise, mostrando que as variáveis que influenciam o lado real na economia não estavam sendo afetadas diretamente pela crise política.
Qual o alcance dessa retomada, já que há indicadores melhorando, mas problemas não resolvidos?
Para os próximos dois anos, 2018 e 2019, acreditamos que economia vai continuar apresentando taxas positivas de crescimento, em decorrência desses mesmos fatores _ queda na taxa de juro, melhora da renda devido à queda da inflação, melhora na confiança. Tem também um ambiente internacional bastante propício, porque as economias principais apresentam taxas de crescimento bastante favoráveis. O grande desafio para economia braseira é depois que esse impulso inicial perder fôlego, a partir de 2020. Aí, a economia passa a depender de crescimento estrutural, do potencial. Esse é o grande desafio. O crescimento potencial hoje está mais próximo de 2% ao ano. Para 2018, trabalhamos com crescimento de 4,1%, e para 2019, de 3,5%.
Nos últimos três anos, o Brasil passou por vários trimestres sem aumento da capacidade produtiva, de investimento. Houve redução da taxa de investimento em relação ao PIB que reduz o crescimento potencial da economia brasileira.
Cristiano Oliveira
Economista-chefe do Banco Fibra
O que explica essa velocidade? É a imagem de que a economia "quicou", bateu no fundo e está voltando?
É um bom desenho. Na verdade, quando a economia está em patamar muito baixo, tem uma ociosidade muito grande. É o que os economistas chamam de hiato do produto muito negativo. Pode crescer sem gerar pressões inflacionárias. Isso ocorre no lado do capital, as empresas têm equipamentos, plantas e máquinas ociosas, então podem crescer aceleradamente para preencher essa capacidade instalada. E também do lado do trabalho. Há uma enorme quantidade de pessoas sem emprego, muitas vezes mão de obra qualificada. Então existe o potencial de crescer aceleradamente durante um ou dois anos sem gerar pressão inflacionária significativa. Esse impulso inicial pós-crise dura 12, 18, até 24 meses. Depois, a economia volta a crescer a taxas mais próximas do potencial. E nosso potencial, sem reformas, é muito baixo.
Esse potencial de 2% é sem reformas?
Sem reformas. Mesmo que as reformas sejam aprovadas rapidamente, demoram a maturar. Não significa que, aprovadas hoje, em seis meses começo a colher. Pode-se ter frutos iniciais, mas é um processo demorado de conquistar a melhoria estrutural do arcabouço macroeconômico. Vamos ter taxas de crescimento bastante baixas a partir de 2020.
Com ou sem reformas?
Com reformas, um pouco mais elevadas, evidentemente. Mas sem reformas, é um país condenado a taxas de crescimento na faixa de 2%.
Você não acredita na aprovação das reformas?
Não, acredito que, com ou sem reformas, o potencial de crescimento é baixo e vamos ver isso a partir de 2020. Com reformas, existe a perspectiva de algum ganho, via percepção, de aumento de expectativas de taxa de juro um pouco melhor, de antecipar um cenário de melhora e conseguir crescimento um pouco maior. Mesmo assim, existe um problema no Brasil de infraestrutura, todos esses problemas que conhecemos, vão aparecer novamente a partir de 2020. Então nosso cenário é dois anos de crescimento forte, 2018 e 2019, depois muito próximo do potencial. O potencial poderia ser mais alto? Poderia se as reformas tivessem sido aprovadas anos atrás.
E porque esse potencial é mais baixo do que há alguns anos?
Nos últimos três anos, o Brasil passou por vários trimestres sem aumento da capacidade produtiva, de investimento. Houve redução da taxa de investimento em relação ao PIB que reduz o crescimento potencial da economia brasileira. Hoje em dia, está próximo de 2%. Há estimativas inferiores a essa, mas não vejo, como no passado, potencial próximo a 3%.
Esse dois anos de alta forte fazem a economia se recuperar, ou seja, voltar ao ponto em que estava antes da crise?
Vamos chegar perto. A maneira mais correta de medir é PIB per capita. Para recuperar os três anos de recessão ou estagnação pelos quais o Brasil passou vai demorar entre cinco e 10 anos. A única coisa boa desse processo todo é que a inflação caiu bastante. O poder de compra dos brasileiros daqui para a frente será menos afetado pela inflação.