O anúncio do fim da recessão feito pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) surpreendeu a coluna não pelo momento, mas pelo ponto de corte, no final de 2016. Integrantes do grupo – mais de um – avaliaram que o crescimento do primeiro trimestre, concentrado na agropecuária, não era suficiente para definir o fim da retração. Nesta entrevista, Paulo Picchetti, um dos integrantes do Codace, explica o que mudou.
O Codace agora definiu o fim da recessão no quatro trimestre de 2016, mas vários de seus integrantes rejeitaram a ideia quando saiu o PIB do primeiro trimestre deste ano. O que mudou?
O Codace não tem pressa em datar os turning points (momentos de virada no ciclo). Sempre faz a datação quando avalia ter os elementos suficientes. Quando conversamos lá atrás, o PIB do primeiro trimestre havia sido positivo, mas hiperconcentrado no agronegócio. Não estava clara a reversão de outros indicadores importantes. Houve até uma pequena queda no consumo das famílias. A divulgação do resultado do segundo trimestre surpreendeu. Imaginava-se até um número negativo. Foi um crescimento e bem disseminado. Outros indicadores de nível de atividade melhoraram, como mercado de trabalho, vendas de comércio. concessão de crédito para famílias, continuidade da redução da taxa Selic pelo Banco Central (BC), a solução de problemas de expectativas que haviam aparecido pelo lado político. Foram vários aspectos que colaboraram para um cenário que nos convenceram de que aquele crescimento iniciado no primeiro trimestre estava sinalizando uma retomada na economia.
A que exatamente se refere a 'solução de problemas no lado político'?
Desde o episódio do Joesley (delação da JBS), em maio, acionou grande incerteza, que envolvia até continuidade da administração atual, a capacidade de fazer reformas. De uma forma ou de outra, ao menos no curto prazo foi resolvido. Mudou a expectativa em relação à que havia no início do ano. Independentemente de julgar o mérito, o fato é que a gente sabe que as incertezas estão menores agora. Para o impacto sobre a formação de expectativa de agentes, investidores, é fato que houve uma solução e isso reduz a incerteza. O indicador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV) sobre incerteza já está no menor patamar desde 2015. É uma medida quantitativa interessante para ilustrar o que mencionamos.
Por que o Codace leva certo tempo para definir início e fim dos ciclos?
Um período que ilustra bem essa dificuldade de datar rapidamente é 2014. Houve queda muito grande (1,9%) do PIB no segundo trimestre, mas o terceiro e o quarto tiveram variações positivas. Foram próximas de zero, mas positivas. E o desemprego se mantinha baixo. Às vezes, os números de curto prazo não dão sinais inequívocos em determinada direção. Nesse caso, a gente tem certa cautela. Pior que demorar para datar é datar errado, porque é uma interpretação importante para analistas, não é inócua. Há uma regra de bolso, que define o início da recessão depois de dois trimestres negativos. Em muitos casos, é suficiente. Mas em muitos outros, como a entrada nessa última recessão, mostram que não. Definimos o início da recessão mais de um ano depois.
O Codace se baseia em algum indicador diferente, que não esteja no radar do dia a dia?
Não, a gente olha o maior número de séries de alguma forma relacionada com nível atividade. E basicamente são dados públicos, de pessoal ocupado, PIB, produção industrial, comércio, serviços, variáveis de expectativas. Não tem nada de muito diferente. É olhar e interpretar o conjunto em termos de definição clássica de ciclo, que é uma variação no nível generalizado de atividade. É tentar da melhor forma e mais abrangente possível. Separar impacto de algum setor específico, alguma mudança climática, que tenha relação com economia mas que não reflete os fundamentos da economia.
Por que o Codace avalia que a reação não ocorre na mesma velocidade de saída de ciclos anteriores?
Para ter uma medida quantitativa, usamos o PIB acumulado nos dois trimestres imediatamente seguintes ao final da recessão. Isso define a velocidade de saída da recessão. Quando saímos da retração anterior mais recente, entre 2008 e 2009, nos dois trimestre seguintes o crescimento acumulado 4,5%. Agora, o crescimento acumulado no primeiro e segundo trimestres deste ano é de 1,3%. E não é por acaso. Na prática, a estratégia adotada para sair rapidamente da recessão de 2008/2009 gerou uma série de desequilíbrios que provocaram essa recessão longa e profunda pela qual passamos e agora têm de ser corrigidos. Então, o tempo necessário para isso e voltar a ter um patamar sustentável de crescimento se traduz em saída lenta dessa recessão.
Economistas avaliam que alta ociosidade, de capital e de mão de obra, permitiria retomada mais rápida. Não é suficiente?
Essa capacidade ociosa gerada pela crise permite que a reação deixe espaço para a política monetária estimular a economia, o que começou a ocorrer no início de 2017. Mas não garante que a velocidade da retomada seja alta, porque um dos desequilíbrios é o fiscal. Para corrigir, é feito esse esforço, com teto de gastos, tentativa de reforma da Previdência. O resultado sobre a atividade econômica é na direção contrária ao estímulo. O ajuste fiscal implica contração no nível de atividade. Então há capacidade ociosa que dá folego para reduzir juro sem causar inflação no curto prazo. Agora, o lado fiscal, que poderia ser outro grande estímulo para a retomada, com esse a gente não pode contar. É justamente o contrário. O ajuste é ruim para o nível de atividade no curto prazo, mas não tem escolha. É bom que seja feito porque cria condições para voltar a crescer de forma sustentável.
A fase aguda de incerteza passou, mas não há dúvida sobre as condições de seguir com essas reformas?
Essa é grande preocupação na economia brasileira hoje. Não se sabe, primeiro, se vai passar alguma reforma, principalmente a da Previdência, ou qual vai passar. Talvez uma diluída, com idade mínima, mas não a íntegra do texto original, que justificava uma projeção de estancamento do crescimento da dívida em relação ao PIB. Existe um risco muito grande, de fato, de não aprovação dessas reformas.
E como isso impacta a expectativa de crescimento futuro?
Por enquanto, há um cenário com algum crescimento para este ano, um pouco mais para 2018, foi atualizado para 2% no Focus. É um cenário condizente com a expectativas em relação a outras questões, como a trajetória do juro. Na medida que as reformas não concretizadas inviabilizem manter cortes no juro, inviabiliza a própria trajetória de crescimento. Esse é o grande risco daqui em diante. E ainda há uma eleição em 2018. Como vai se eleger alguém que, de forma honesta, consiga transmitir para a população a necessidade dessas reformas?