O resultado do leilão do aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, é uma das melhores notícias dos últimos anos na economia. Surpreendeu especialistas que previam baixa atratividade do terminal da capital gaúcha – e, por consequência, esta coluna. Houve até disputa entre a alemã Fraport e a suíça Zurich, o que não se imaginava, resultando no maior ágio da licitação, de 211%. A vitória da Fraport, empresa que administra o hub global de Frankfurt, "casa" da Lufthansa, e já conhece as especificidades da América Latina no aeroporto de Lima, no Peru, pode representar um ponto de inflexão em um Estado tão deprimido e com autoestima baixa.
Para entender por que Porto Alegre, de "patinho feio", virou o cisne do leilão, a coluna voltou a ouvir analistas, que mantiveram a avaliação anterior, mas ajudaram a explicar a virada.
– Para mim, o Salgado Filho era mesmo o ‘patinho feio’, tanto que tem prejuízo de R$ 13,3 bilhões ao ano com carga e passageiros – disse Paulo Menzel, coordenador do Grupo de Logística da Agenda 2020, um dos primeiros a detectar as chances de a Fraport ser atraída por Porto Alegre.
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O prejuízo a que Menzel se refere leva em conta a carga que deixa de embarcar pelo Salgado Filho por conta da restrição da pista, mais a perda com o transporte de passageiros. Como os cargueiros mais competitivos precisam de uma área maior para aterrissar e decolar com capacidade completa, a operação no Salgado Filho se torna uma opção econômica inviável. E o especialista explica o que pode parecer uma contradição: o ponto é estratégico para a Fraport, no meio do caminho entre Frankfurt e Lima, por ser uma rota de carga pouco explorada:
– O foco da empresa é carga. Existe um movimento potencial de mercadorias, aqui, que, por falta de condições da pista, foi embora do Rio Grande do Sul.
As perdas com as restrições da pista do aeroporto foram por anos apontada pela Agenda 2020 como um dos grandes fatores de perdas para o Estado, tanto do ponto de vista privado – empresas são obrigadas a transportar o que seria carga aérea por rodovia, geralmente até Viracopos, em Campinas, para só então embarcá-las em aviões cargueiros. Se a Fraport conseguir tirar a ampliação da pista do atoleiro, ganha o concessionário, ganham as empresas e ganha o Estado, que vai arrecadar mais.
Por mais que a realidade brasileira possa surpreender, a expertise da Fraport é inquestionável. A empresa que administraFrankfurt também levou Fortaleza, mas o tamanho do ágio que aceitou por Porto Alegre passa um recado: as finanças públicas podem estar falidas, mas a economia gaúcha não se resume aos cofres do Piratini e é suficientemente atrativa para um grupo deste tamanho fazer uma aposta ousada no Estado.
HORA DE IR ALÉM DO DISCURSO
Ana Cândida Carvalho, sócia na área de infraestrutura do TozziniFreire Advogados, chegou a assessorar interessados nos leilões, que acabaram desistindo. Ela reitera que, do ponto de vista jurídico, o aeroporto de Porto Alegre era o que representava “complexidade” aos interessados:
– Era exatamente essa a percepção, a de um ativo mais difícil de enfrentar em razão dessa complexidade jurídica. Mas o que levou a um ágio tão alto foi a vocação de carga do Salgado Filho.
Para atingir o potencial, porém, pondera que será preciso passar pelas questões de entorno, como as desapropriações e as licenças ambientais. A tarefa de remover a Vila Nazaré, essencial para que o aeroporto seja homologado, é do concessionário. É por isso que a primeira manifestação de Aletta von Massenbach, vice-presidente e executiva-sênior de investimentos globais da Fraport, ontem, depois do leilão, foi pedir parceria da administração pública, estadual e municipal.
Apropriar-se das oportunidades que o resultado do leilão do aeroporto Salgado Filho representa exige que todos os envolvidos arregacem as mangas e tratem de viabilizar as obras. Não para permitir que os alemães ganhem dinheiro, o que podem fazer em outra latitude. Para que os gaúchos parem de perder.