Quando formamos o grupo de repórteres investigativos da RBS (GDI), buscamos profissionais com diferentes habilidades. Uns são especializados em garimpo de dados na internet, por exemplo. Outros, em utilização de câmeras ocultas. Há, ainda, aqueles que seguem com persistência rastros de documentos deixados por uma história.
Na edição deste fim de semana, apresentamos uma clássica investigação do tipo "trilha de papéis": a vida dos irmãos Filippeddu, que estão por trás da Winfil, casa de jogos de azar instalada na zona sul de Porto Alegre.
Na época em que surgiu a notícia da abertura da Winfil, e da possível expansão para outros 14 estabelecimentos em diferentes Estados, o repórter do GDI Carlos Rollsing se perguntou: quem seriam os proprietários? Por que quereriam investir tanto dinheiro em uma atividade ainda ilegal e controversa no país?
Durante os últimos quatro meses, Rollsing vasculhou documentos oficiais não só no Brasil, mas também em outros países, e descobriu uma impressionante história. Pesquisou processos judiciais eletrônicos. Obteve documentos como contratos sociais e procurações em órgãos públicos. Leu dezenas de documentos e reportagens da década de 1990. Consultou inúmeras fontes especializadas nas áreas de segurança, política, jogos de azar. E chegou à linha do tempo que conta a trajetória cheia de problemas da dupla de irmãos François e André Noel Filippeddu pelo mundo.
– Consegui mapear acontecimentos na França, Bolívia, Itália e no Brasil. Começou, então, a parte mais difícil: coletar papéis oficiais em quatro países, com idiomas, leis e tratamentos à imprensa diferenciados – conta Rollsing.
A parte brasileira foi rápida. Com auxílio da sucursal da RBS em Brasília, o repórter coletou, no arquivo do Supremo Tribunal Federal, o embasamento e o pedido de prisão para extradição de François Filippeddu do Brasil para a Itália. Na França, a reportagem sabia que André Noel havia sofrido condenação por envolvimento com terrorismo. Mas era preciso ter a sentença. Pelos critérios jornalísticos que adotamos, nada seria publicado sem a confirmação documental. Com ajuda do repórter Rodrigo Lopes, o GDI contatou o jornalista brasileiro Mário Camera, que vive em Paris. Ele foi até a Justiça local e solicitou uma cópia do arquivo. Na França, surpreendentemente, os processos são disponibilizados apenas em papel. Depois de dois meses de espera, Camera enviou a sentença condenatória por tentativa de extorsão e preparação de ato terrorista.
A frente mais difícil foi a boliviana, em semanas de contatos infrutíferos. Quando alguém atendia ao telefone, invariavelmente não queria falar sobre o caso. O GDI chegou a orçar uma viagem à Bolívia: era imprescindível conhecer o desfecho dos imbróglios enfrentados pelos irmãos no país. Mas havia o risco de apostar alto em uma viagem e retornar de mãos vazias. Na última hora, quando as esperanças eram reduzidas, Rollsing encontrou um sistema de pesquisa virtual no Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano, por onde acessou decisões contrárias aos Filippeddu que ajudavam a remontar a trajetória deles no país. O repórter ainda localizou um assessor de imprensa que atendeu aos pedidos da apuração, após cerca de 50 dias de idas e voltas, repassando informações sobre processos judiciais, todas de caráter público.
A trabalhosa reportagem de Carlos Rollsing, que você encontra no caderno DOC, comprova que, por mais experientes ou bem assessorados, indivíduos deixam rastros de suas vidas em papéis que, se pesquisados com paciência, insistência e método, contam exatamente a história de cada um.