O câncer prefere nos atacar pela noite. Ele até pode nos atormentar ao longo do dia, mas a sua substância é noturna. Tem predileção pelas madrugadas insones. É nesse momento que ele se agiganta e toma conta do pensamento. Tanto que, quando o sol chega, depois de um café da manhã, a ideia de ter um câncer se enfraquece e, geralmente, vai embora.
Onde o ataque de câncer fica durante o dia? Ouvi dizer que ele se esconde embaixo da cama, pois na noite seguinte, rapidinho, ele está de volta para atormentar o vivente. Faz sentido, mas não me convence de todo a explicação. Perceba que quando o indivíduo viaja, o câncer segue atacando-o na casa de amigos, nos hotéis. Viagens longas também nos deixam expostos a um súbito ataque. Logo, ele tem mais do que um esconderijo.
O câncer, antes de tudo, é covarde. Note como ele tende a atacar as pessoas quando estão sozinhas, entregues apenas aos seus sonhos e pensamentos. Uma conversa amiga, mesmo que superficial, tende a afastar um ataque de câncer.
Uma grande ajuda são os médicos. O inimigo lhes tem respeito e temor. Basta os doutores começarem com perguntas que o câncer some, ou se transforma em bursite, micose, flatulência, refluxo, lumbago, enfim, problemas menores.
Basicamente, os ataques de câncer se dividem em dois modos. Temos o persistente e o distraído. O persistente é aquele que incomoda mantendo o câncer sempre no mesmo lugar. Por exemplo, quem todos os dias tem a certeza de ter um tumor no cérebro. Já o distraído esqueceu qual era o câncer de ontem, então o passeia pelo corpo. Ontem estava com um tumor no fígado, hoje está no intestino e bem pode ser uma leucemia amanhã.
Um mantra para usar quando estiver sendo atacado por um câncer: lembre que você sobreviveu a tantos ataques de câncer que não eram nada. Alguns fincaram as garras e duraram muito antes de evaporarem, não vai ser o bestinha do câncer que está de plantão no dia que vai te derrubar.
Um velho cacique navajo me disse que essa mania ocidental de pensar em câncer é um modo rebaixado de filosofar sobre a finitude. Quem enfrenta a ideia da morte sem máscaras, pensa o que fazer com a vida que resta. Quem pensa em câncer, só pensa em morrer.