O humor pode ter um viés agressivo. Numa piada, quem conta, cria uma cumplicidade com quem escuta, para avacalhar um terceiro. Assim são as piadas de portugueses, das loiras (disfarce para falar das mulheres em geral), dos gays. Ridicularizando o alvo, quem ri obtém prazer sentindo-se superior. Com o disfarce de ser brincadeira, pode-se humilhar impunemente um terceiro. Assim é feito o humor grosseiro.
Vamos a outro caso. Um convidado senta-se à mesa do jantar e passa molho de carne nos cabelos. Notando o espanto dos outros comensais, ele se desculpa:
— Perdão, pensei que fosse maionese.
Aqui temos uma piada de nonsense, a preferida das crianças, o alvo são os costumes, a lógica, a coerência. Existem formas de rir sem atacar alguém.
Temos humoristas que miram para cima, seu objetivo é nos fazer rir dos poderosos. São poucos, pois se requer coragem. Neste quesito, meu herói de juventude foi Millôr Fernandes, que comprava briga com a ditadura militar. Quem viveu sabe o risco.
Millôr foi mais do que isso. Era desenhista, tradutor, escritor, jornalista e poeta. Como arguto observador do país, foi ele quem disse: o Brasil tem um grande passado pela frente. Frase síntese, que, na sua contradição, diz da nossa inércia. A âncora do nosso passado colonial e escravista é imensa.
Extraordinário frasista, descrevia a condição humana com poucas palavras. Viver é desenhar sem borracha. Divagava sobre nossos dilemas, deleites e dores. A única diferença entre loucura e saúde mental é que a primeira é muito mais comum. Ou, não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar.
Para Millôr, o humor era uma maneira de estar no mundo, uma postura de encarar as adversidades, uma filosofia de levar a vida, um antídoto contra a banalidade. Com ele, o humor era coisa seríssima.
Ano passado, no centenário do seu nascimento, Abrão Slavutzky e Bruno Serafini criaram o Millôr Day. O mote é não esquecer seu humor inteligente, elegante, que, embora tenha notas de trágico, é esperançoso.
Neste ano, segunda edição, 16/8, eles recebem Claudia Tajes e Hique Gomes para falar de humor. Quem quiser participar, será às 19h na Livraria Paralelo 30, Vieira de Castro, 48, em Porto Alegre.