Pensar no nascimento da democracia remete à Grécia. Mas era uma democracia apenas para homens, escravos e mulheres não tinham voz. Ora, essa "origem" parece mais o retrato do nosso passado recente. Existiram muitas sociedades democráticas e de surpreendentes arranjos sociais antes da Grécia. Em algumas não havia assimetria de poder entre os gêneros, além disso, não eram escravistas.

A fonte é o livro "O despertar de Tudo - Uma nova história da Humanidade". Escrito por dois ingleses, um antropólogo e um arqueólogo, respectivamente David Graeber e David Wengrow. Quase não li pela arrogância do título. Em poucas páginas engoli a opinião apressada. O livro é extraordinário, demole visões históricas que tínhamos como certas e é - por bem escrito - acessível a leigos no assunto.

Eles examinam um período histórico pouco conhecido. Estamos acostumados a estudar até os três milênios antes de Cristo, mas eles focam nos sete milênios anteriores. As pesquisas arqueológicas são demoradas para se terem dados que ultrapassem a especulação. O livro junta todas as descobertas recentes deste vasto período.

Um mito que cai, a agricultura teria nos proporcionado sociedades complexas, as cidades, o começo das classes sociais e da propriedade privada. Certo? Não! Eles constataram que isso já existia em sociedades caçadoras/coletoras. O começo da agricultura foi uma longa transição, foi adotada e abandonada várias vezes, conviveu milênios com a caça e coleta. Enfim, o domínio da agricultura não fez um corte abrupto e nem condicionou formas sociais padrão.

O livro demonstra tamanha pluralidade de organizações sociais possíveis - às vezes durante milênios - que desmancha qualquer ideia sobre uma inclinação natural do homem para algum formato de sociedade em particular.

Como a história grega conhecemos bem, sabemos da sua transição da tirania para a democracia. A questão é que supúnhamos, e este é o erro, que esta seria a norma: todas as sociedades na origem seriam hierárquicas e despóticas.

Um livro que acaba com qualquer ideia evolucionista padronizada na história. O passado retratado pelos autores é berço de inúmeras estruturas sociais, algumas com tal igualdade e solidariedade que pensar a Grécia como modelo democrático soa como uma piada de mau gosto.