Nossas excentricidades geralmente são restos infantis, uma espécie de reserva ecológica nostálgica da infância perdida. Qual é a sua?
A minha são as embalagens, sigo fascinado por elas. É fácil entender, crianças gostam de embalagens, são as raras partes do mundo adulto que chegam a elas e que podem manusear, customizar, abusar ou destruir livremente. Uma caixa grande, em que elas possam entrar e esconder-se, não tem preço.
As embalagens me intrigavam por serem valiosas, e – salvo fosse algo tão valioso que a aura do objeto entranhasse – iam do brilho ao lixo. Mas existem vinganças. A caixa de sapato com fotos de família é um clássico do reaproveitamento. O calçado já se foi, e a caixa, dignamente, guarda os disparadores das memórias da família.
Quem não teve ou ainda tem sua caixa de lembranças a partir de uma embalagem aleatória? Sempre é um mix caótico, cujo sentido escapa ao dono. É impossível se desfazer de um chaveiro do posto Texaco, de um índio que veio no Toddy, da bolita preferida, de uma pena de passarinho amassada, uma caneta estragada. Objetos tão inúteis como mágicos. Ligados a nós como se fossem pedacinhos externos da nossa alma.
Mas quando a excentricidade nos transforma em acumuladores? Aproveitando os feriados para arrumar a casa, entendi por que minhas filhas me acusam de acumulador. Encontrei uma profusão de caixas, caixinhas, latinhas, pastas de eventos, envelopes de papel bolha, papel de presente usado e sacolas de compras. Um dia eles portaram algo importante para mim, que agora nem lembro.
A descoberta pedia uma decisão radical. Não dá para usar um armário da casa só para isso. “Entulho”, nas palavras das filhas. Então fui encaixando as pequeníssimas dentro das pequenas, as pequenas recheando as médias, que por sua vez foram para dentro das grandes, e finalmente as grandes nas enormes e voilà! Ficou em um volume razoável. As três ou quatro que não encaixaram foram fora.
Todo este trabalho hercúleo foi elogiado? Que nada, elas disseram que acumulador com doutorado em engenharia de bonecas russas segue sendo um acumulador. Usei um argumento da minha avó, ela dizia que quem guarda o que não presta sempre tem o que precisa. O que elas contra-argumentaram: quanto tempo eu levaria para pegar uma “caixícula” – notem o deboche – desmontando aquele “armatoste” – mais um deboche –, e depois remontando?
Ainda estou cronometrando…