Minha amiga Maiara, médium e astróloga de animais, se diz arrependida do seu empenho em comunicar-se com nossos amigos peludos. Durante anos estudou a linguagem animal, especialmente a de cães, para encetar conversas transespécies. Explica que não é uma linguagem como a nossa. Seria algo mais simples, sem a possibilidade de nuances, sem metáfora. Uma linguagem pão-pão, queijo-queijo.
Sua queixa principal é a insuportável grosseria. Um paralelo que fez: se escutássemos a torcida do Corinthians depois de um gol anulado, seria similar à incivilidade cotidiana dos cães.
Os primeiros latidos traduzidos que entendeu não foram fáceis de escutar: “Fedida! Vocês, carecoides, cheiram mal”.
Carecoide é o neologismo cunhado por Maiara para uma palavra que não temos. Significa careca de corpo, que é como os cães designam os humanos.
Noventa por cento da, digamos, “fala” remete a agressividade ou escatologia. Praticamente só proferem palavrões. Nos xingam a mais não poder. Nos chamam de coisas que é melhor nem mencionar. Pensando bem, quando latem uns para os outros, não estão trocando gentilezas, não é? Nos tratam como fariam com um deles.
Sei que você, leitor, está chocado, eu também. Não esperava isso deles. A Maiara sentiu-se mal quando entendeu que o alarido alegre, de quando chegava em casa, realmente queria dizer: “Chegou a sebenta suarenta.
Vai ter boia, jaguarada magra!”. Convenhamos, não dá para ser feliz assim...
Com o tempo, descobriu que os cães nos classificam pela predominância olfativa, são gourmets de cheiros. Eles pouco nos olham, não existe branco, preto ou amarelo. Para eles, somos os sovaquentos, os chulezentos e os que têm cheiro de bunda.
Talvez você não esteja entendendo, não é tão ruim.
Eles odeiam quando tomamos banho. Gostam do nosso cheiro natural, não do sabonete. Por outro lado, nos acham feios e desprezíveis por não termos pelos. Toleram nossos carinhos de mãos peladas como nós receberíamos o toque de um lagarto. Se acostumaram à feiura da nossa pele nua, mas reclamam xingando.
Sim, eles nos amam e nos são fiéis, mas com péssimos modos. Elogios são raros, vez que outra uma das cadelas de Maiara diz que ela é uma deusa. Embora em seguida diga que é uma carecoide peidorrenta vagabunda.
Minha amiga tem razão quando raciocina: “Por que esperaríamos falas elevadas vindas de animais? Só imersos nos mitos da natureza romantizada, tomados pela cegueira sentimentaloide dos apaixonados por pets, para pensar que eles seriam criaturas suaves e benfazejas. A doçura, infelizmente, está apenas nos nossos olhos”.
Maiara não recomenda que os tutores invistam tempo em traduzir seus animais. Pensa inclusive em não publicar seus estudos de antropologia esotérica veterinária, para não criar atritos desnecessários entre as espécies.
Entendo a cautela.