Segunda-feira. Minha filha viajou a negócios e deixou a Chimia para passar uns dias comigo. Pensei que seria fácil. Ela é uma cadelinha limpinha e comportada. Mas por azar ela se encantou com o cachorro desta gente miserável que emporcalha nossa rua. Dormem debaixo da marquise do prédio em frente. Ninguém toma uma providência. Um horror, uma sujeira.
Terça-feira. Descemos cedo, e eu, nem ao menos com maquiagem. Não adianta, enquanto Chimia não cheira o Xispa – pois esse é o nome do infeliz do cachorro – ela não sossega. Que mico ter que ir até lá. Tenho medo de voltar com pulgas.
Quarta-feira. Levei um pouco de ração para o Xispa. Aquela gente não sei se cuida bem dos animais. Mas não é que ele tem até coleira antipulgas. Alguém deu. Pensei mal. A Chimia e seus amigos...
Quinta-feira. Todo dia a mesma coisa, a Chimia me puxa para lá. Acabei falando com a dona do Xispa. Depois de todos esses dias, fazer o quê... Até que é simpática. Sônia é o nome dela.
Sexta-feira. Agora é rotina, quando saio com a Chimia converso um pouco com a Sônia. Ela era costureira. Por isso ela tem aquela tesoura sempre perto.
Sábado. Enquanto a Chimia brincava com o Xispa, Sonia me conta que perdeu um filho assassinado. Diz que não pode voltar para sua casa. Tem medo de ver o matador do seu filho, se botar nele, e morrer também.
Domingo. A primeira coisa do meu passeio com a Chimia tem que ser a visita ao Xispa. Levo frutas para Sônia. Ela tem quase a minha idade, não parece.
Segunda-feira. Mesmo com a chuva, Chimia e eu saímos. Descobri que Sônia tem uma filha. Mas elas não se dão. Ela diz que foi o genro que levou o filho dela para o tráfico. A filha nega, mas ela sabe a verdade. Prefere ficar na rua a estar com eles.
Terça-feira. O que a Sônia me disse sobre os filhos não nos ouvirem, é bem assim. Aqui em casa é a mesma coisa. Que juventude sem cabeça! Na minha época não era isso. Havia respeito pela palavra de pai e mãe.
Quarta-feira. Minha filha voltou. Fiquei triste sem a Chimia... Fui sozinha conversar com a Sônia. Ela me fez jurar que se passar algo com ela, que eu cuide do Xispa. Jurei, mas nem precisava.