Qualquer um que tenha um pouco de idade, como para enxergar contrastes, percebe que existe uma enorme diferença na importância que damos aos animais domésticos. Nossa sensibilidade para com eles multiplicou-se nas últimas décadas. A questão é: por que isso ocorre?
Teríamos evoluído, segundo dizem alguns? Ou nos demos conta que eles são seres sencientes, nossos companheiros de planeta? Ou ainda, que não seríamos tão distintos deles, e portanto, podemos estender a eles certos direitos que temos como humanos? Não discordo dessas teses. Acho elas muito bem vindas, mas penso que não esgotam o tema.
Minha hipótese é que há uma outra razão que corre em paralelo. Existe um movimento lento e subterrâneo que é a valorização da infância como grande época da vida. Vem de longe, mais de dois séculos, e segue acelerando. Antes, nas sociedades tradicionais, ser criança não valia a pena, elas só eram consideradas quando cresciam. Não havia uma cultura própria para a infância, nem cuidados especiais. Eram criadas para que sobrevivessem e depois sim, uma vida as aguardava. Todos, portanto, queriam crescer para chegar a um status de valor.
Não existe nos contos folclóricos um personagem como Peter Pan: um herói aferrado à infância. Afinal, ele só faz sentido nesse nosso novo momento, quando crescer seria perder o paraíso dos cuidados e proteção.
Sem entrar em detalhes das vantagens e desvantagens dessa revolução no trato com a infância, pois não é o foco, vou centrar no que penso ser um efeito colateral desse movimento. Os pets nos reconectariam com a infância idealizada, por isso seu papel hoje relevante. Projetamos neles o paraíso perdido, são nosso avatar infantil. Através deles revivemos a boa infância que tivemos, ou tentamos fazer uma, para os que não a tiveram.
Observe nas redes sociais a profusão de imagens de pets aprontando, ou destruindo algo. São postadas pelos donos – se bem que quem é dono de quem seja uma questão – que não conseguem esconder o gozo de possibilitar esta irresponsabilidade a suas criaturas. Os protestos contra a travessura não convencem ninguém. Porque o dono vive o que o animal fez como se fosse por ele. Recria algo da presença infantil inconsequente e feliz, apenas agora com quatro patas.
É a infância do sujeito que seria reencenada. Não se trata de alguém que não tenha filhos, e que queira povoar com animais as crianças faltantes, embora não exclua essa possibilidade em alguns casos. Nada contra, cada um leva a vida como quiser. Afinal, nunca é tarde para se ter uma infância feliz...
Pergunto se a relevância dos pets não fazem parte da grande infantilização que vivemos. Como em tantas outras coisas desse momento da história, surge a pergunta: onde estão os adultos do nosso tempo?