Tornou-se consenso que a falta dos pais na infância e na adolescência é desastrosa para o futuro do filho. Do que se fala menos é sobre o excesso de pais, não tão prejudicial quanto a ausência, mas sempre preocupante.
Conhecem aquele mito de que o talento salta uma geração? Usamos quando temos uma família de pais bem-sucedidos e filhos sem a garra e ou competência dos mesmos. A questão é que, examinado mais de perto, muitas vezes o que temos é um casal que se coloca como uma entidade de referências, o que não é um problema em si, mas acaba sendo quando se apresentam como perfeitos, o único exemplo a seguir. Esses são os pais excessivos. Cabem naquela imagem da grande árvore sob a qual nada cresce.
Insisto, não se trata de que pais bem-posicionados, virtuosos, reconhecidos na sociedade sejam um problema para seus filhos, ao contrário, são uma solução. O problema surge quando não há brecha no saber deles. Quando só eles teriam claro o que é bom para seus rebentos. Quando barram influências de outras fontes, inclusive nos bastidores escolhem os amigos dos filhos. Ou seja, deixam aos descendentes uma trilha única: a sua. Quem não se rebela e pega esse caminho poderá até ser um bom filho, mas vai ser medíocre ou de alguma limitação sofrerá.
Para alguém ser feliz e competente no que faz, é preciso que tenha escolhido sua vida. Que tenha desejado ser o que é. O cuidado obsessivo com as escolhas, ou a futura carreira do filho, pode mais atrapalhar do que ajudar. O filho sentirá a "escolha" do seu rumo como sendo a vontade dos pais e não sua.
Afinal, não adianta dizer que os filhos não são para si, são para o mundo, tem que praticar
É comum chegarem aos nossos consultórios pessoas de meia-idade, formadas nas mais distintas profissões, que não se reconhecem na sua trajetória. Estão infelizes e odeiam o que fazem. Percebem que sua alma não está ali, que são alienadas de sua própria vida e vêm em busca de outro caminho. Fazem na idade adulta o que não fizeram na adolescência: questionar os pais. Nesse momento da vida, é mais uma operação mental do que factual, com os pais mortos ou velhinhos há pouco a discutir. Mas serve para resgatar algum poder sobre seu destino.
O excesso de interferência também pode provir do oposto: filhos de pais frustrados e de horizonte estreito. São famílias imersas apenas no senso comum ou, pior, aderidas a certezas messiânicas, aquelas úteis às mentes preguiçosas ou assustadas. Nesses casos, formata-se o filho numa fantasia convencional de sucesso. O rebento será engatilhado para brilhar além do casal, mas que não ouse escapar da sua mira. Além dos investimentos, o cerco será também moral, descartando toda influência que torne os descendentes questionadores ou criativos. Vá que percebam a pequenez dos progenitores.
Afinal, não adianta dizer que os filhos não são para si, são para o mundo, tem que praticar.