Recentemente, em uma coluna, feri sensibilidades dos apreciadores do sagu. Entusiastas da sobremesa escreveram protestando. Venho, portanto, pedir minhas sinceras desculpas pela indelicadeza.
Uma desculpa especial aos organizadores da Sagufest – Festa Nacional do Sagu – que acontece nos primeiros dias da primavera em Santo Isidoro do Sul. O município recém emancipado tem nesta festa sua marca. O pessoal da prefeitura me ligou exigindo respeito ao sagu.
O contato abriu meus horizontes. Esqueça o que sabes sobre sagu, é um ingrediente muito mais complexo. Inclusive, na edição do ano passado, o doce ganhador da Tigela de Ouro, entre todas categorias, o da Dona Roswita Zucker, era um sagu de bergamota.
Porém nem tudo é bucólico nessa pacata cidade. Conversei com inúmeros cidadãos e, embora sejam todos pelo sagu, nem todos o entendem da mesma forma. A cidade está irremediavelmente cindida entre os Cremistas e os Puristas. Pessoas nem se falam se não tem a mesma filiação à concepção do doce. Soube de famílias separadas, de amigos que deixaram de se ver, de namoros rompidos.
Para os Cremistas o sagu com creme seria o verdadeiro doce. Onde o creme seria uma parte inseparável do mesmo. Um doce “dois em um” como Romeu e Julieta, ou como bem-casado, onde o sabor de um realça o melhor do outro.
Os Puristas acreditam que quem gosta mesmo de sagu o come puro. Acusam os Cremistas de falsos apreciadores, que necessitam de um sabor a mais para comer sagu.
Já os Puristas acreditam que quem gosta mesmo de sagu o come puro. Acusam os Cremistas de falsos apreciadores, que necessitam de um sabor a mais para comer sagu. Portanto não seriam reais saguzistas, e ainda, abririam espaço para as pessoas sem critério, nocivas, aquelas que se refestelam apenas com o creme e – supremo sacrilégio – não tocam no sagu.
Os Puristas tampouco suportam sagus que não sejam de vinho tinto. A maioria tolera cravo e canela, mas há uma subdivisão, os chamados de Purista de Raiz, que advertem que cravo e canela transformariam o sagu em quentão pastoso.
A questão do sagu soltinho abre uma terceira tendência, e ainda racha internamente as existentes. Pois seria um atentado de lesa-sagu se a consistência não fosse a correta. O sagu padrão deveria deslizar lentamente da colher deixando, sob o efeito da gravidade, apenas uma aura do sagu escorrido. A única coisa que une Cremistas e Puristas é a luta contra os Grudistas que insistem na nefasta cremosidade de maior aderência.
Os Grudistas, acusados profanar a essência do sagu, são considerados traidores da tradição da cidade e existe quem defenda sua expulsão. Eles se defendem alertando que “soltinho” é coisa de chef paulista.
Alguns cidadãos locais sonham com uma cidade purgada dos doceiros do sagu errado. Se bem o sagu seria o diferencial da recente comunidade de Santo Isidoro do Sul, é na paixão pela discórdia que percebemos sua filiação à cultura gaúcha.
E depois não sabem porque me esquivo do sagu.