Em uma das passagens da autobiografia do neurologista Oliver Sacks, Sempre em Movimento (Companhia das Letras, 2015), que recomendo vivamente, ele desvelou algo, que sempre intuí, sobre a indústria do livro de língua inglesa.
Para quem é fã de Sacks, ele nos conta por que trocou a Inglaterra pelos EUA. Em uma sinceridade cortante, fala da dificuldade de conviver com o irmão esquizofrênico. Mas, o ponto mais duro, queria ficar longe da mãe. Quando ele lhe contou que era gay, escutou dela: era melhor não teres nascido.
Esqueça os clichês sobre médicos. Oliver adorava motocicletas, drogas, fisiculturismo e em todos colocava sua vida e saúde em risco. Sua passagem por um laboratório de pesquisas foi um desastre, não levava jeito para cientista convencional. Por caminhos tortos, foi ser neurologista clínico, depois escritor e então sua genialidade desabrochou.
Mas vamos à sua trajetória como escritor. Ele conta que embora escrevesse bem e de uma forma inusual, pois adorava inglês antigo, seus manuscritos eram reescritos. Vivia às turras com um dos editores, mas em paz com uma outra que secretariou seus escritos durante décadas. Seu livros são bons porque ele era um excelente clínico, possuía uma cultura médica rica, transmitia na escrita o carinho que tinha pelos pacientes, mas também porque eles eram bem escritos. Encontrou profissionais que remodelavam e colocavam óleo em suas frases e o faziam escrever ainda melhor, insistindo ao infinito para acertar o tom. O resultado são best-sellers em uma área inusitada, a neurologia.
Uso meus amigos, colegas, editores e filhas tanto como leitores-pilotos quanto como fontes em temas que não domino bem.
Não é à toa a invasão de livros de língua inglesa. Eles possuem uma indústria do livro afiada, especialmente pela atuação dos editores, que pegam junto na ideia e feitura do livro. Aqui é ao contrário: o intelectual brasileiro médio tem chilique quando tocam no seu texto sagrado. Acredita que, por dominar uma área, ninguém a expressaria melhor. Invocam estilo, idiossincrasias próprias da matéria, mas é apenas narcisismo e falta de cultura de compartilhar a escrita. Resultado, boas ideias desperdiçadas por mal escritas.
Tudo o que escrevo é editado pela minha esposa, assim como edito todos os textos dela. Um autor não enxerga a qualidade e o furo de seus escritos, pois, como saem de seu cérebro, ele possui as referências necessárias para ativar as cascatas de significados, fato que pode não ocorrer nos outros leitores. Tenho ainda a sombra do Carpinejar, que palpita sobre temas e como os executo. Uso meus amigos, colegas, editores e filhas tanto como leitores-pilotos quanto como fontes em temas que não domino bem. Os revisores de ZH já me livraram de mil embaraços. Enfim, estou neste espaço há tempo, já deveria ter agradecido. Embora assinados, os textos são mais coletivos do que parecem. Obrigado.