Percebo que o que move a maioria dos protetores de animais de rua é a compaixão. Eu sinto algo parecido, talvez por caminhos diferentes.
Há um consenso sobre como os animais foram domesticados para nosso uso: eles teriam sido selecionados pela mansidão. Nossos antepassados escolheram como reprodutores os animais que mais se adaptavam ao convívio humano. Em outras palavras, animais dóceis, que não apresentavam agressividade que nos colocasse em risco.
Era apenas uma hipótese, ainda que plausível. Um biólogo russo fez um experimento que reforçou essa tese. O estudo é pouco conhecido, é do tempo da cortina de ferro, quando as informações científicas entre os blocos não circulavam. Dmitry Belyaev criou e selecionou raposas prateadas. Em oito gerações, conseguiu que tolerassem a presença humana. Quarenta anos depois, entre 30 e 35 gerações, as raposas selecionadas eram dóceis como cães. A ideia da seleção pela mansidão saiu fortalecida.
Depois de séculos de convívio em que os desnaturamos, parece óbvio que temos um dever para com eles. Eles não são animais quaisquer, nós, por utilidade ou vaidade, alteramos sua natureza e os deixamos sem defesas.
Em resumo, os animais domésticos sofreram pressão genética para serem mansos. Salvo animais de rinha, e um que outro de guarda ou caça, eles são desnaturados, no sentido da supressão da desenvoltura agressiva necessária para sobreviver no ambiente de origem. Devolvidos à natureza, eles seriam um desastre, pois aprenderam a viver conosco, nos servir e viver do que lhes damos para comer. É como se nós lhes tivéssemos tirado as garras e os dentes, estão incapacitados para a selva.
Existem medidas físicas que provam o mesmo. O fenômeno conhecido como gracilização – afinamento gradual do esqueleto – é irrefutável. Quando se mede a massa óssea e se compara as espécies selvagens com as domesticadas, nota-se a diferença. Quando a agressividade fica de fora, a perda de massa é evidente. Os animais domésticos se tornam mais leves e mais frágeis. Isso sem falar da seleção pedomórfica, que privilegia os animais que apresentam traços juvenis, ou seja, os menores e que, mesmo adultos, se parecem com filhotes. Você já se perguntou como um lobo se transformou num Lulu da Pomerânia? Assim, geração após geração escolhendo os que pareciam ser eternos bebês.
Depois de séculos de convívio em que os desnaturamos, parece óbvio que temos um dever para com eles. Eles não são animais quaisquer, nós, por utilidade ou vaidade, alteramos sua natureza e os deixamos sem defesas. O mínimo que podemos fazer é não lhes virar as costas. Retirar os animais das ruas, como esterilizá-los para evitar sua procriação, quando não há responsáveis, é um dever de todos.
Os protetores de animais e os ativistas da causa animal intuem essa fragilidade "infantil" dos animais. Quando lhe parecer haver um exagero na rispidez dos argumentos deles, pense que talvez seja um modo de eles restituírem a agressividade àqueles que não a possuem por lhes ter sido tirada.