Pesquei de ouvido uma expressão usada pelas minhas filhas. Elas se referiam a uma jovem conhecida como: "uma menina sem mãe". Nada relacionado com orfandade real, a jovem em questão tem mãe. Do que elas estavam falando então?
Espichei mais a orelha, estava dirigindo, supostamente alheio à conversa. O que elas queriam dizer é que a garota era, num sentido metafórico, descabelada. Trata-se daquelas pessoas que não tiveram a mãe que dá uma última lambida quando saímos para a rua. Aquela que ajeita a nossa camisa, abotoa o botão que falta, manda amarrar os tênis direito e dá a última penteada com a mão.
De tanto essa mãe insistir, um dia esses cuidados tornam-se automáticos. Antes de sair à rua conferimos por conta se estamos prontos. Estar pronto é subjetivo, cada um tem a sua maneira. De qualquer forma, já incorporamos esse olhar materno. É o mesmo processo que nos faz escovar os dentes sem que ninguém mande. Ela agora está dentro de nós, assumimos os cuidados maternos primários.
Acredito que qualquer um entende que a "mãe" em questão pode bem ser o pai, uma avó, uma tia, qualquer pessoa amorosamente envolvida em civilizar o pequeno selvagem que fomos. Apenas usa-se mãe por ser a figura mais frequente.
Mas existem os que não tiveram mãe, por isso saem para a rua "descabelados", como diriam minhas filhas. Existem também as mães mecânicas: são eficientes, o filho aprende a se cuidar, mas falta aquele algo mais que é o olhar materno na porta de casa que confere e avaliza o visual. Esse era o caso da jovem da qual minha filhas falavam. Elas a consideravam linda, mas como lhe faltava um toque de graça, ficava escondida entre roupas cheias de estilo, mas que não conversavam umas com as outras, e um cabelo que, mesmo com um corte ousado, ficava quadrado.
Gostei da expressão pelo que ela tem de verdade em sua espontaneidade leiga. Até porque o contrário existe, pessoas que não foram agraciadas com atributos naturais e se fazem lindas pelo imponderável jeito de ser. Claro, beleza é subjetiva, mas falo do equilíbrio das formas, das proporções harmônicas. Ninguém que tem um nariz para fumar na chuva, como no meu caso, pode se dizer bonito.
Mas voltando à questão, dizem que a beleza está nos olhos de quem vê. Creio que sim, mas o que vemos, sem ver, é o quanto aquela pessoa herdou um olhar que a constituiu. Existe na beleza, no charme, um anjo da guarda oculto. Os cuidados que ganhamos é que criam essa aura. Gostamos de dizer que o encanto é nosso. Agora é. Conservar também requer empenho, mas antes foi o produto do investimento amoroso que recebemos. Quando disserem que você é bonito, antes de agradecer à natureza, agradeça a sua mãe.