Minha esposa e eu sempre gostamos de crianças. Quando passeávamos, nos deixávamos capturar por elas e, sempre que possível, tentávamos interagir.
A brincadeira entre nós era adivinhar a idade, especialmente dos bebês, a partir das conquistas motoras, cognitivas e pela aquisição da fala. Depois, o tira-teima era perguntando aos pais. Geralmente perdia, a Diana é muito melhor em desenvolvimento.
Perdia ganhando, aprendia mais sobre crianças. Mas ganhava dela na aproximação: sou uma espécie de encantador de crianças. Sei falar sua língua, logo percebem em mim o tio maluco que sonha acordado como elas. Quando via, estava sentado no chão, ou com a criança nos braços.
Para os pais, éramos um casal mais velho e a troca era sempre interessante. Raras vezes nos apresentávamos como psicólogos, somente, e se necessário, para acalmá-los quando demonstravam alguma preocupação. Enfim, dávamos conselhos leves de quem já passou por isso.
Uma amiga nossa que mora nos EUA já nos recomendava uma postura mais cautelosa. Ela mesma, quando em um avião, pede para trocar de lugar se for colocada ao lado de uma criança. Nossas filhas, mais atentas aos novos tempos, nos buzinavam o mesmo: fiquem longe das crianças. Nunca nos ocorreu nada desagradável, mas escutamos o conselho. A confiança prévia tornou-se paranoia prévia, precisamos nos adaptar.
Nossa mudança é também porque acompanhamos de perto um caso absurdo. Um conhecido adormeceu em um avião e involuntariamente encostou o dorso da mão em uma criança que também dormia e viajava no banco entre ele e a mãe. Criou-se um banzé kafkiano, foi acusado de pedofilia. O que ocorreu àquela senhora tão assustada, que traumas ou fantasias causaram sua denúncia, é algo que não temos como saber e cabe-nos respeitar. Esse fato ainda está sem desfecho.
Acredito que, nesse episódio, Porto Alegre terá a sua versão da Escola Base: um episódio ocorrido em 1994, quando várias mães alucinaram abusos sexuais das professoras contra seus bebês, que depois se mostraram oriundas da imaginação coletiva e contagiosa das progenitoras. Naquele caso, quando a verdade chegou, já era tarde e várias vidas tinham sido arruinadas.
Em nenhum dos meus piores pesadelos pensei que fosse um dia dar este conselho: fiquem longe das crianças
Por esses dias, encontramos um casal com dois filhos na livraria Via Sapiens. Eu já estava mais reservado. A Diana, não, até fez um tsuru, um pássaro de origami, para o maiorzinho.
Depois disso, conversamos e declaramos que aquele seria o último tsuru.
Perdemos todos: nós, os pais e as crianças. Mas assim anda o mundo. Perdem também as mulheres e crianças que fazem as denúncias justas. Um caso errado pode desacreditar mil ocorrências verdadeiras. Em nenhum dos meus piores pesadelos pensei que fosse um dia dar este conselho: fiquem longe das crianças.