Haia, Holanda - No fim dos anos 70, quando o Brasil reinventava a indústria automobilística com veículos movidos a etanol, uma campanha da Coopersucar avisava: “Carro a álcool, você ainda vai ter um”. Mais de quatro décadas, milhões de motores a álcool e bicombustível depois, a energia renovável Made in Brazil capitulou para os combustíveis fósseis. Agora, às vésperas da Conferência sobre Mudanças Climáticas de Glasgow, pode-se cunhar uma nova profecia em escala mundial: “Veículo elétrico, você ainda vai se movimentar a bordo de um.”
Fora uma ou outra meritória iniciativa pontual, o Brasil ainda não acordou para a enorme revolução em andamento, mas veículos que emitem carbono zero são uma tendência irreversível. A Tesla, cujas ações subiram 743% só em 2020, que o diga. Na Holanda, um campo de testes para a mobilidade, 80% dos ônibus que entram em circulação são elétricos, e a venda de automóveis elétricos cresceu 38% em 2020. As bicicletas elétricas – as e-bikes - fazem sua revolução particular. Metade das 1,1 milhão de bicicletas vendidas aqui a cada ano já é movida a bateria. No mundo, o mercado das e-bikes salta a dois dígitos anuais.
A escalada no preço dos combustíveis nas bombas, aditivada no Brasil pela desvalorização do real, é um tormento em âmbito global e os donos do petróleo estão dando uma mãozinha para matar mais cedo seu negócio ao incentivar a substituição dos motores por uma fonte que passa ao largo dos humores nas torneiras dos campos de extração. A economia sustentável, mantra de qualquer negócio que pretenda ter futuro, agradece.
A data mágica para a virada é 2030, quando muitas montadoras europeias começarão a deixar de produzir motores a combustão. Deslizar no silêncio de um veículo elétrico não é não será privilégio do Primeiro Mundo: a chinesa Shenzen, uma cidade do tamanho de São Paulo, se tornou a primeira metrópole com 100% de ônibus a bateria. A China, aliás, já enxergou para onde o vento sopra: tem 300 indústrias fabricando veículos elétricos.
A bordo do etanol, o Brasil angariou respeito mundial como campeão da energia renovável, mas saiu da estrada e jogou o título fora depois da descoberta das reservas do pré-sal. As longas distâncias, as inconstâncias no fornecimento de eletricidade, as dificuldades para se instalar pontos públicos e privados de abastecimento elétrico e o custo dos veículos e da energia mantêm o Brasil anestesiado diante da revolução em andamento. No curto prazo, seguimos parados no acostamento.