Para se perscrutar a origem da súbita troca na cúpula da Defesa e das Forças Armadas deve-se pesquisar quem a apregoava. Não eram o Alto-Comando, os governadores, outros ministros, o STF, a base no Congresso, os presidentes da Câmara e do Senado, a oposição, a imprensa, os que pedem intervenção militar, os que repelem golpismos, a Igreja, os pastores, os sindicatos, o PT, o centrão, a OAB, os EUA, a China ou a direção do Flamengo. Nem mesmo aquele núcleo fanático bolsonarista que vê conspirações atrás da porta andava inquieto com o Ministério da Defesa.
Ou seja, ninguém pedia a troca do comando militar, muito menos em meio a uma emergência sanitária na qual seus líderes devem estar focados na maior mobilização de tropas e recursos da História para combater um vírus traiçoeiro. Aparentemente, Jair Bolsonaro foi o único a desejar a mudança e é o único capaz de explicar por que desencadeou a maior crise na área militar desde 1977, quando Sílvio Frota foi exonerado do Ministério do Exército por Ernesto Geisel, lançou um manifesto quase cômico sobre a infiltração comunista no governo e foi escrever suas memórias.
Quando não há explicação aparente, é porque ela não pode ou não quer vir à tona. Se a motivação foi arrastar “o meu Exército” para aventuras fora do leito institucional e democrático, Bolsonaro deu um tiro no pé. O que ele conseguiu foi uma demonstração do Alto-Comando de que não haverá desvios na Constituição e nos ritos militares. Também não há sinais de um “Almirante Aragão”, imbuído em 1964 de sublevar marinheiros para ser carregado nos ombros em apoio a João Goulart. Na verdade, é impensável que dois generais da ativa conversem para cogitar ser uma boa ideia conferir poderes ilimitados a um ex-capitão de espírito mercurial que foi convidado a deixar o Exército por indisciplina.
Sobra então a motivação revanchista de Bolsonaro. O número de vezes em que o presidente diz que quem manda é ele e a quantidade de generais que convidou para cargos-chave e depois os humilhou em demissões sumárias leva a supor que seu problema é o ressentimento. Se não fosse interrompida, a trajetória de Bolsonaro na caserna o levaria no máximo à patente de coronel. Agora, ele parece se comprazer em exigir améns constantes e caçar cabeças de duas ou mais estrelas que ousam divergir de suas paranoias e obsessões.
No meio militar, recalcados são os que sofrem trotes pesados ou se sentem injustiçados por comandantes e depois descontam em outros quando passam a exercer cargos de mando. Não por méritos castrenses, mas pelas troças do destino e pelo voto, Bolsonaro se tornou comandante em chefe das Forças Armadas. Mas isso não autoriza que as trate como sua propriedade. Bolsonaro precisa, portanto, aprender a conter seus recalques. Afinal, os presidentes passam mas as Forças Armadas ficam.