No domingo passado, o enfermeiro Anthony Ferrari Penza, de 45 anos, que angariou milhares de seguidores com vídeos que o mostravam de jaleco e estetoscópio em discursos irados contra o distanciamento social, somou-se à trágica estatística de mortes pela Covid-19 no Brasil. Ex-candidato a vereador em Cabo Frio, Anthony, cujos vídeos também eram compartilhados em grupos de WhatsApp, espalhava desinformações como a de que 60% dos mortos pela pandemia não haviam morrido de Covid-19 e que prefeituras recebiam até R$ 19 mil por notificação de morte pela doença.
O que fez Anthony não só descrer da gravidade da doença que o mataria mas também desmerecer esforços para contê-la é uma incógnita que, infelizmente, não poderá mais ser elucidada. Já em Brasília, a CPI da Covid tem agora a oportunidade de demonstrar ao Brasil por que o presidente da República se tornou um dos únicos chefes de Estado do planeta a desdenhar da pandemia e jogar seu prestígio político numa roleta na qual tinha rarefeitas chances de ganhar.
À luz do ineditismo da pandemia, são exceções os que acertam todas as suas ações no calor dos acontecimentos. Basta lembrar que a OMS chegou a recomendar que não se usassem máscaras para que não faltassem ao pessoal médico na linha de frente. O justo temor de uma escassez de máscaras fez a OMS vender a lorota de que elas podiam fazer mal e até estimular a contaminação, porque levariam a um descuido no distanciamento.
Felizmente, o bom senso retornou rapidamente à organização, como aliás seria de se esperar de uma entidade que busca acertar, e o uso de máscaras, caseiras ou profissionais, passou a ser um dos mantras da OMS. Então por que o presidente Jair Bolsonaro, sem dar margem a recuos, assumiu todos os riscos na pior, mais inútil, persistente e equivocada opção política da história recente do Brasil? Por que Bolsonaro culpou a imprensa de fantasiar as dimensões e os riscos da pandemia, de repetir que era uma gripezinha, de assegurar que pacientes com histórico de atleta seriam poupados, de levantar constantes suspeitas sobre máscaras e negacear vacinas, de promover aglomerações e de apregoar uma cura milagrosa que em nenhum outro lugar do mundo é levada a sério?
Com tal postura e 380 mil mortos, é improvável que Bolsonaro tenha conquistado apoios de quem já não votava dele. Fica no ar, portanto, a dúvida de como e por que alguém na sua posição agiu como um curandeiro que nega o potencial maligno da doença. Quando uma resposta não se materializa de forma imediata, é porque ela não pode ou não quer vir à tona. A CPI tem agora uma chance de fazê-la emergir, mas Bolsonaro errou tão redondamente, de forma tão rotunda e constante, que não será surpresa se, no final, a explicação venha a ser debitada apenas a uma completa falta de noção e discernimento.