A pandemia dividiu o mundo em três categorias. Há os países que controlaram o coronavírus, os que são controlados por ele e os que estão em transição entre os dois estágios. Entre os que controlaram, identificam-se desde a rica Austrália até o modesto Camboja. Na transição para o controle, se incluem EUA, Portugal e Israel. Já na categoria dos controlados pelo vírus, desponta o Brasil.
O Brasil não está onde está por trapaça do destino. Chegamos ao epicentro da mais aguda tragédia da República muito pelo fato de o presidente governar, mas não liderar, o país em sua guerra mais traiçoeira. Lembremos: a heroica Força Expedicionária Brasileira perdeu 457 pracinhas nos campos da Itália da II Guerra, menos do que uma noite de homens e mulheres tombados pelo coronavírus em hospitais e nas filas de UTI do Brasil de março de 2021.
A liderança é um dom que está presente ou aflora em momentos decisivos. Churchill salvou sua pequena ilha da sanha nazista não com o repasse de impostos britânicos para distritos e condados, mas pela força inspiradora que levou o Reino Unido a resistir, enfrentar e vencer o inimigo. Esperar algo parecido de Jair Bolsonaro seria injusto com ele. A tarefa de mobilizar o Brasil em sua mais devastadora guerra sanitária, social e econômica está muito além de sua capacidade e senso de liderança, que, até a Presidência, só haviam sido testados em uma indisciplinada e curta carreira militar e na gestão de um gabinete de deputado.
Ao desdenhar das vacinas, sabotar o uso de máscaras, estimular aglomerações e não incentivar o distanciamento social, Bolsonaro abdicou de inspirar o Brasil e de combater o mal pela raiz. Vencer o coronavírus não é uma questão de gosto ideológico, como demonstra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, com quem Bolsonaro tem muitas afinidades, mas não a indispensável disposição de liderar a nação na sua hora mais grave.
Em liderança, não há vácuo. Na ausência dela, outros a ocupam. Em mais nenhum país se tem notícia de governadores e prefeitos se unindo para comprar vacinas diante da incúria do governo central. Ao anunciar finalmente acordos com outros fabricantes, mais uma vez o Planalto acordou no susto, embora siga propagando a fantasia de que o STF tenha atado suas ações. Falso. O que o STF fez foi impedir que, em seu delírio negacionista, Bolsonaro obrigasse Estados e municípios a seguir sua receita de menosprezo ao inimigo.
Esse cardápio vem sendo explicitado por declarações como “Brasileiro pula em esgoto e não acontece nada”, “Gripezinha” e ‘País de maricas”, além do imbatível “E daí? Quer que eu faça o quê?”. É simples. De um líder numa guerra se espera que lidere - ou então deixe a tarefa para outros mais capazes.