Só há uma circunstância tão desmotivadora sobre a moralidade pública no Brasil quanto a impunidade que vigorou até a Era Lava-Jato: a possível reabilitação de corruptos condenados, muitos deles ladrões confessos. É forte a tendência de que fique apenas na memória a rara conjunção que ia de procuradores a ministros do STF que, com amplo apoio popular, alimentaram a crença de um fim à desfaçatez no trato da coisa pública no Brasil.
Ao atingir mitos sagrados da política brasileira, como Lula, era previsível que a operação ergueria uma muralha de inimigos, cuja artilharia visa desacreditar os que trabalharam pelas condenações, o famoso "melar tudo para voltar à estaca zero". Como alguns dos protagonistas da Lava-Jato tropeçaram mesmo na soberba e em atalhos para desmanchar a teia corrupta, a restauração também está vindo a jato.
Já bastaria o fato de que não há mais nenhum figurão condenado atrás das grades para demonstrar quão largas são as portas das prisões no país. Mas a anulação dos julgamentos seria a pá de cal na esperança de que o conceito mais fundo de justiça venceria o infindável arsenal de recursos e filigranas jurídicas para reverter condenações. Não surpreende o desânimo de quem confiou que o Brasil havia mudado. A impunidade e o jeitinho são brasileiros e não desistem jamais.
As regras da casa
Imagine a seguinte cena. Um sujeito é convidado para jantar na casa de alguém. A horas tantas, passa a ofender os outros comensais, espalha que a comida está contaminada, rejeita usar o banheiro para fazer as necessidades e reage com palavrões quando lhe chamam a atenção. Advertido seguidas vezes, se recusa a adotar as regras de civilidade, que aliás endossou ao aceitar o convite, e é expulso da propriedade. Indignado, ele acusa os donos da casa de tolher sua liberdade.
Essa cena está acontecendo agora nas redes sociais. Os danieis silveiras da vida que entram nessas casas para incitar agressões e atacar grosseiramente a outros estão descobrindo duas realidades. A primeira: redes e plataformas são empresas privadas que, apesar de lenientes com a desinformação e a falta de educação, finalmente acordaram para o fato de que têm algum compromisso decorrente de sua atividade de extrair dados dos frequentadores e faturar bilhões. A segunda: a liberdade de qualquer um é limitada, legal e eticamente, pela identificação e responsabilização de quem se manifesta ou tolera manifestações criminosas.
Empresas privadas têm o dever legal, moral e ético de zelar pelos conteúdos que levam a público. A isso se chama responsabilidade. Quem discorda das regras da casa e insiste em cuspir no chão e soquear o vizinho tem sempre a opção de deixar de frequentá-la. Provavelmente fará um bem enorme para si e para a humanidade.