Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro não poderiam ser mais antagônicos. Mas há uma inusitada inversão de sinais entre ambos quando a voz estatizante da deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) vibra com a demissão do presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Junior, enquanto o campeão do liberalismo e ex-secretário de Desestatizaçao Salim Mattar joga a toalha e desabafa: “Venceu o establishment”.
A murchada no balão da privatização da Eletrobrás ceifa mais um tanto das esperanças dos derradeiros crentes no conto da versão liberal de Bolsonaro. Dilma comeu o fogo de sua base enfurecida quando, ao assumir o segundo mandato, em 2015, nomeou o liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, aprovou cortes em benesses previdenciárias e trabalhistas e deu curso a um programa de concessões à iniciativa privada de estradas, ferrovias e aeroportos.
Bolsonaro recebeu muitos votos de eleitores inconformados com um Estado mastodôntico e cruelmente ineficaz. Mas só deixa perplexos os que desprezavam a trajetória do ex-capitão, eleito deputado federal por sete vezes na condição de líder sindical informal de militares e policiais. Na Presidência, ninguém pode acusar Bolsonaro de trair seu passado. Como parlamentar, Bolsonaro votou sistematicamente a favor de mais gastos e contra cortes públicos. Ele realmente crê no papel central do Estado acima de tudo. Entre decisões duras mas necessárias, como enxugar o Banco do Brasil e prepará-lo para a concorrência, ou ceder ao populismo fácil, opta inexoravelmente pela última alternativa. Jandira Feghali tem razão em ficar aliviada.
Na campanha de 2014, Dilma vendeu a noção de que as contas estavam sólidas e que o Brasil caminhava para um novo ciclo de desenvolvimento. Abertas as urnas, a miragem evanesceu, deixando no lugar a contabilidade criativa, a alta da inflação e dos juros e uma das recessões mais fundas da história recente. Por isso, foi acusada de estelionato eleitoral. Bolsonaro não faz melhor. Além de manter a máquina intacta, lançou o anzol da vaidade e ambição e retirou do posto o juiz que simbolizava o combate à corrupção para depois espicaçar sua imagem. E, valendo-se de Paulo Guedes, fez aparentar que o Brasil arquivaria as “criaturas do pântano” e se rejuvenesceria com a lipoaspiração do Estado obeso.
Em dois anos de governo, Bolsonaro desviou-se da estrada liberal, apaixonou-se pela distribuição de dinheiro público, esqueceu o compromisso de emagrecer o Estado e, sem surpresa, deixou-se enlevar, como todos os seus antecessores, pelos braços largos e providenciais do Centrão. Como Collor e Dilma já demonstraram, presidentes caem por diferentes razões, mas o ingrediente comum nos impeachments é o descalabro econômico. Bolsonaro teria algo a aprender com eles.