No meu primeiro trabalho remunerado, na Central RBS de Eleições de 1978, eu era pano de fundo. Ficava no fundão do cenário da TV, em mesões nos quais universitários atendiam as ligações telefônicas que chegavam dos locais de apuração manual dos votos. Nosso trabalho era anotar, seção por seção, o número de votos para cada candidato. As planilhas eram então repassadas a digitadores que alimentavam “um poderoso computador” que ia totalizando, a conta-gotas, a eleição.
Nas pontas, centenas de colegas recolhiam os números nas mesas de apuração e corriam para transmitir por linhas telefônicas exclusivas o resultado de cada urna, de preferência antes do concorrente. Em pleno novembro, suava-se em bicas em ginásios sem ventilação, as cédulas grudando no suor. Fiscais de partidos brigavam por votos de identificação duvidosa e, em cochilos de juízes nos grotões do Brasil, fraudavam-se urnas desbragadamente.
Os apresentadores de rádio e TV se esmeravam no suspense: “Mais 10 urnas de Ijuí!, “Apurados 7% dos votos da 111 Zona Eleitoral!”. E assim íamos nós, dia após dia, noite após noite, semana adentro. A operação toda era de uma complexidade monumental. Décadas depois eu coordenaria uma série de coberturas eleitorais, mas nada se compara ao planejamento ou desgaste físico e emocional de meus antecessores.
Corta para 2020. O Brasil olha para a apuração das eleições nos EUA, faz tsc, tsc e se pergunta como aqueles povos primitivos ainda não descobriram as virtudes da urna eletrônica. Outros 35 países já a adotaram também. Não temos Prêmio Nobel e nem Oscar, mas – além do pioneirismo do carro a álcool e da declaração do Imposto de Renda por computador – a urna eletrônica em um país continental é um dos poucos cartões de visita da inventividade brasileira
Pois não é que o presidente do Brasil, a quem caberia propalar o sistema que registrou sua eleição e de seus familiares nas últimas duas décadas e meia, acabou por se tornar garoto-antipropaganda de uma rara conquista verde-amarela? Podíamos estar vendendo a tecnologia para outros países (a Indonésia pretende usar modelo semelhante ao do Brasil apenas em 2024), mas não: Jair Bolsonaro marcha na mesma senda aberta por Leonel Brizola, que foi um adversário de peso da urna eletrônica.
O sistema brasileiro não é barato, mas se paga a cada crise institucional evitada. Retomar o voto impresso, além de aumentar custos, seria uma concessão às nunca provadas teorias conspiratórias de Bolsonaro, Brizola e outros com dificuldades de aceitação da segurança da urna ou com saudades de suar em ginásios abafados. Em vez de retroceder, o Brasil devia era pisar fundo na biometria iniciada com o título de eleitor eletrônico. Por que não estendê-la de uma vez para toda a vida burocrática dos brasileiros? Com a biometria única, fraudes como a do auxílio emergencial seriam coisa do passado - como a nada saudosa contagem manual dos votos.