A PF está nas ruas, fulano é alvo, ciclano está na mira, beltrano foi citado na delação. No frenesi da informação 24/7, as expressões estremecem a rotina do país: interrompem noticiários, estampam manchetes de sites e jornais e se esparramam pelas redes sociais em ritmo tão estonteante que a impressão é que não sobra nenhum político honesto no Brasil. A percepção nasce da própria dinâmica da divulgação das ações, como uma sucessão alucinante de eventos aparentemente sem contextualização e sequência lógica. Quando caem nas redes, investigação passa a ser escândalo, citação vira sentença e denúncia se converte em condenação.
Um efeito colateral da nebulosa informativa é a perda da noção da hierarquia dos fatos – todos parecem ter a mesma importância – e do grau de envolvimento dos personagens. Espertamente, os de comprovada culpa no cartório se esgueiram pela névoa investigatória na expectativa de que tudo se transforme numa grande geleia geral. Torcem para que, se todos forem ladrões, então ninguém poderá ser considerado ladrão, mas tão somente alguém agindo como qualquer outro.
Os investigadores da Lava-Jato e suas subsidiárias agem com precisão cirúrgica. Para boa parte da opinião pública, porém, ondas sobre ondas de buscas e apreensões, delações e prisões criam a falsa sensação de que nenhum dirigente público vale nada em lugar nenhum. Dificilmente alguma repartição ou empresa estatal resistiria imune a uma devassa a fundo. Mas isso não quer dizer que todas as estruturas estejam corrompidas ou a serviço do crime. Ao contrário: os bandidos mimetizados no serviço público são exceções.
O mesmo raciocínio vale para o Congresso, um dos alvos do desprezo nacional. Os muitos Eduardo Cunha e Waldir Maranhão fazem um estrago danado na imagem dos congressistas. No entanto, é irreal e injusto se imaginar que todos os deputados e senadores sejam ineptos, folclóricos ou estejam a serviço de interesses inconfessáveis. A realidade é que muitos parlamentares sérios e de primeira linha estão se empenhando em achar saídas para a crise, mas acabam ofuscados, encolhidos no fundo do plenário, observando perplexos um Maranhão sentado na cadeira de presidente.
Tanto no governo Dilma como Temer, o preconceito e o ranço ideológico mútuos, aditivados por escândalos em série, alimentam o estereótipo de que não havia ou não há gente confiável em cargos públicos. Nenhum governo merece no todo um atestado de isenção e nem tampouco sentença prévia. Mas a generalização é prima-irmã da ideia de que o Judiciário é suspeito, a imprensa só mente, as religiões estão aí para enganar o povo e assim por diante.
O ceticismo é saudável. Já a descrença total nas instituições conduz ao surgimento de líderes messiânicos que desdenham de tudo e todos quando se oferecem para resgatar o povo de seu infortúnio. É daí que brotam os Hitler, Jânio Quadros ou o Estado Islâmico. E nenhum deles, em nenhuma parte do mundo, deu em algo que preste.