Roubo, ou empresto, a expressão que me escreveu minha querida Miriam Leitão. Vivemos isso hoje, com uma intensidade inquietante, sem ver a saída tão cedo, com líderes em alguns países bancando as maiores trapalhadas, pensando em política e poder... gente morrendo feito mosca, gente entristecendo ou ficando furiosa sem saber com quem...
Particularmente, sinto uma falta danada de conviver, como de hábito, com minha família, filhos, netos, netas, amizades queridas, e saboreando a velha liberdade que desde criança tanto aprecio: até para decidir que quero ficar em casa. Mas neste momento de loucura e tristeza, é preciso calar a criança rebelde dentro de nós, ou a adolescente também inquieta, e seguir as regras: para salvar vidas, verdade muito verdadeira.
Outro amigo me manda o poema que eu não conhecia de Alexis Valdés Gutiérrez, que diz mais ou menos isso: “Quando a tempestade passar, sobreviventes de um naufrágio coletivo, nos sentiremos felizes por estarmos vivos, e com os amados vivos também. Lembraremos o que perdemos, e quem sabe aprenderemos tudo o que antes deixamos de aprender. E tudo será um milagre”.
Nuns dias meio sombrios, o poema me animou, a beleza sempre anima, é a saída melhor, além dos afetos, nos momentos tormentosos.
Então esta noite tive um sonho – sonho intensamente desde criança, e lembro boa parte do que sonhei. “Sonhos são espumas”, diziam em alemão minha mãe e avós, nem sonhando com o velho Freud, segundo o qual sonhos são, como também elas diziam, “espumas que flutuam sobre as águas escuras do nosso coração.” (Do inconsciente, diria o Velho.)
Nesse sonho, que divido com meus leitores porque assim nos fazemos companhia uns aos outros, eu procurava uma tradução de um termo em inglês, que não recordo. E estranhava, porque geralmente sou boa nesse idioma, que, como alemão, falo quase desde sempre. Mas, claro, às vezes o bom dicionário ilumina.
O lugar era como um grande teatro, ou cinema. Na plateia, em lugar de poltronas, mesinhas e cadeiras como as de uma escola ou universidade, todas ocupadas, muitas dezenas de pessoas. As paredes eram cobertas de prateleiras, e me indicaram uma prateleira baixa onde estariam os dicionários. Recomendaram um de inglês, cujo autor não conhecia, não conheço e esse nome esqueci.
Caminhei diante da primeira fileira de alunos, professores, estudiosos, todos ocupados com seus trabalhos. E de repente escutei uma espécie de música – como uma chuva doce caindo, musical, fora deste mundo. Parei no meio do meu trajeto, olhei aqueles tantos estudiosos, todos de cabeça baixa ocupados com seu livros, e percebi, então, que o rumor era das páginas, centenas, milhares, sendo viradas. Acordei: a chuva que de verdade caía lá fora tinha invadido meu sono, dando-me uma incrível sensação de consolo, beleza, aconchego.
De volta para a pandemia e o pandemônio, preocupada com meus amores e com milhões de desconhecidos no mundo, imaginei o que hoje escreveria aqui. Escrevi. Cuidem-se.