Nestes tempos esquisitos, que deixam todo mundo assustado sem saber nada direito – e às vezes nem querendo saber mesmo, pois seria dramático demais –, tenho refletido sobre a dificuldade das pessoas de ficarem em casa.
Pior ainda, com mulher, marido, filhos. Uma das loucuras deste nosso universo, dito moderno, é a despersonalização dos lugares, dos afetos, do convívio. A casa, o dito lar, deveria ser o melhor lugar do mundo. Simples ou luxuoso, longe, pertinho, decorado por profissional ou, de preferência, conforme gostos e amores dos donos da casa, deveria ser, sim, nosso lugar preferido.
Um pequeno paraíso, ainda que com geladeira velha, sofá cambaio, tapete puído, cortinas desbotadas, chuveiro pingando, mas... nosso. Alugado, emprestado, comprado e pago, mas... nosso. Meu lugar no mundo, onde posso ter o privilégio de conviver com as pessoas que amo. O difícil, complicado, essencial grupo familiar, ou até mesmo sozinho.
“O que é família para a senhora?”, me perguntaram certa vez. Pois. para mim, família é aquele grupo de pessoas – às vezes uma pessoa só – que eu sei que, mesmo se não me entendem, me respeitam e gostam de mim. Simples? Não, com certeza. Complicado, chato, difícil de construir, trágico de se perder. Mas a gente corre tanto atrás de coisas cobiçadas, muitas vezes desnecessárias, que o convívio simples, tranquilo, alegre ou briguento com família e amores passa a ser algo inusitado.
“Como? Agora tenho de ficar em casa? Aguentar mulher, marido, sogra, mãe, filhos barulhentos, o dia inteiro? Lidar com o tédio, pois não sei o que fazer?”
Que civilização no mínimo bizarra nos tornamos?
Assustados – embora muitos digam que de jeito nenhum –, ficamos mais agressivos. Confundimos política com saúde e sobrevivência, esperneamos feito a criança que cai, se machuca e, quando alguém chega para ajudar, fica furiosa, a raiva disfarçando o medo.
Com essa tragédia viral que nos assola de um ponto da Terra a outro, talvez a vida, enigmática sempre, queira nos mostrar que é hora de virarmos aprendizes: aprendizes de modos diferentes, melhores, de ser e viver, e de conviver. Quem sabe, depois de passada essa verdadeira peste – pior do que a Negra da Idade Média porque ataca muitíssimo mais gente –, acordaremos uma humanidade mais amorosa, mais amiga e tolerante, menos atrapalhada, menos apressada, menos insatisfeita, menos raivosa... menos pronta a criticar, a apontar o dedo acusador... quem sabe?
Aliás, por falar em aprendizado: Vicente e eu estamos celebrando 17 anos de casados. Assim nos consideramos, desde quando nos vimos num almoço no British. Anos de pequenos terremotos e tsunamis, de grandes e belos pores do sol e auroras, experiência única de crescimento humano já bem depois da juventude. Tolerância com defeitos, admiração e respeito por qualidades (a cada dia descobrimos novas).
Então, nesta nossa data, quero dizer, Vicente: é bom estar em casa com você.
E para todos os leitores: uma boa Páscoa.