Sei que tenho uma síndrome (ou como queiram chamar) de abandono e terror de separação.
Nem sempre, no cotidiano, é um terror de verdade, mas um frio na alma, uma inquietação intensa, quando sei que alguém vai para longe – ou lembro que alguém está longe. Quando pequena (ah, a infância, a memória e o esquecido...), com certa frequência, eu era mandada nos fins de semana para o sítio de amigos queridos de meus pais, a talvez 20 minutos da cidade. Para mim, era o exílio num deserto do outro lado do mundo. Chorava durante o breve trajeto, implorando a meu pai que me levasse de volta para casa... chorava ao ver seu carrinho azul-metálico-claro sumir na estradinha do sítio; chorava ao acordar e ao deitar, por mais que a generosa e supermaternal família, a quem eu chamava de tios, e suas filhas alegres, solícitas e carinhosas, tentassem me distrair.
Me levavam para ver os leitõezinhos novos; me deixavam pegar ovos mornos no galinheiro; me levavam a passear na carroça puxada por bois (ou um cavalo?) que já nem usavam mais, apenas porque eu adorava o cheiro, o rangido das rodas, o jeitão dos animais. Me deixavam espiar de longe o ninho dos quero-queros, avisando que eram ferozes quando tinham filhotes – certa vez um deles veio num voo rasante sobre nós, e todas nos jogamos no capim, loucas de medo. De noite, me contavam mil histórias para eu dormir. Eu, tantas vezes, inconsolável.
Em certas tardes de domingo, meu pai me levava a passear de carro, talvez com a mãe dele (quem não teve antigamente uma vó Olga?), íamos até embaixo de uma enorme figueira, e eu podia correr no capim, subir nas pedras, e escutar as conversas deles. Até hoje acho que ouvi minha avó se referir a mim em alemão como armes Kind (pobre criança). Ou era meu sentimento de ser isso, quando diziam que minha mãe precisava descansar com seu bebê pequeno, e que eu era muito agitada. Verdade: com certeza muito amada, mas inquieta, sempre falando, cantando, dançando, perguntando mil coisas e desobedecendo às ordens mais simples – numa autonomia boba numa menina tão pequena.
Ou ficava quieta longos tempos olhando o nada ou as árvores, apenas pensando ou sentindo o mundo... coisa que hoje pouco se deixa as crianças fazerem porque têm de estar sempre ocupadas, sabe Deus por que razão. “Essa menina está quieta demais, vai ver, está doente”... era o outro lado da minha moeda.
Por que esta longa introdução? Para explicar, talvez, por que filho que morou na África fazendo um trabalho incrível ou netos na Nova Zelândia, onde estudaram com brilho e trabalham com sucesso, e a mera ideia de alguém ir estudar no Exterior – por mais que seja um bem, afinal estamos no mundo globalizado – me inquietam burramente. Racionalmente, quero que façam sucesso longe, que se realizem, que sejam felizes, e me orgulho, e aplaudo, e curto de verdade.
(Mas aquela Lyazinha de quase 80 anos atrás, com seu coração atrapalhado, ainda quer todo mundo bem pertinho.)