Quando criança, insone, eu tinha algum medo do silêncio da madrugada.
O alívio vinha daquelas vozes: um cachorro latindo no nosso pátio, outro no vizinho, outro mais adiante e mais e mais, na cidadezinha encantada com casas em grandes jardins e muitas árvores.
O canto dos galos também me fazia companhia: alguém me disse – e, como sempre, acreditei – que um respondia ao outro, perto e longe e mais longe, e eu achava isso muito bonito. Os galos se faziam companhia no escuro da noite.
Como se fosse uma amiga maternal, a chuva me acolhe.
Porém o melhor de tudo, o mais maravilhoso ainda, era de repente, logo antes de clarear, o canto dos pássaros como uma chuva de sons todos de uma só vez. Eram meus amigos das longas madrugadas: cachorros, galos e pássaros.
Depois o som das primeiras carrocinhas na rua: leiteiro, verdureiro, chegando na cidade, passavam na frente de nossa casa e eu imaginava os homens e rapazes às vezes no frio e na chuva.
Mas, acima de tudo, havia a chuva.
Até hoje – já não insone como então –, ela me encanta, me consola, me alegra. Como se fosse uma amiga maternal, a chuva me acolhe. Claro que me entristecem as atribulações dos que têm casas invadidas, objetos estragados, crianças sem abrigo.
Mas muitas vezes, quando estou cansada, entediada ou aborrecida, me pego pensando ou até suspirando em voz alta: “Se ao menos chovesse!!”.
Mas eu ia escrever sobre silêncio, para muitos um inimigo assustador: será porque nele escutamos nosso próprio vazio? Ou cresce o clamor das nossas aflições?
Não sei dizer. Sei que quando na sala alguém – vendo que ninguém presta atenção – de repente desliga a tevê, raramente alguém reclama. Ao contrário, em geral se escuta “que bom um pouco de silêncio...”.
Silêncio e quietude nos inquietam: “Você anda muito calado... quer um uisquinho? um Prozac?”. Ou: “Esse menino tá muito quieto... está doente” ...e botamos a mão na testa da criança pra ver se tem febre.
Bom pensar aqui e ali que eventualmente todos precisamos de sossego: nem palavras nem correrias nem mesmo música. Mas a serenidade curativa de que andamos tão carentes.