Alguém joga xadrez com minha vida, alguém me borda do avesso, alguém maneja os cordéis. Mordo devagar o fruto da minha inquietação. Alguém me inventa e desinventa como quer: talvez seja esta a minha condição. Bastaria um momento de silêncio para eu ser feliz: mas do fundo do palco uma voz me chama.
Serás tu, amor, ou é a Morte, apenas, que reclama?
Nada entendo de signos: se digo flor é flor, se digo água é água. (Mas pode ser disfarce de um segredo.) Se não podem sentir, não torçam a árvore-de-coral do meu silêncio: deixem que eu represente meu papel.
Não me queiram prender como a um inseto no alfinete da interpretação: se não me podem amar, me esqueçam.
Sou uma mulher sozinha num palco, e já me pesa demais todo esse ofício. Basta que a torturada vida das palavras deite seu fogo ou mel na folha inerte, num texto qualquer com o meu nome embaixo.
Quando me mataram, meu lado não verteu água nem sangue: eu me verti de mim por essa fenda, escorri para a terra, debaixo do gelo, ausente. (Alguém sabia: ela está ali, e isso era a tua voz na noite.)
Se houver um tempo de retorno, eu volto. Subirei empurrando a alma com meu sangue, por labirintos e paradoxos, até inundar novamente o coração. (Terei o mesmo ardor de antigamente?)
E se me quiserem amar, terá de ser agora: depois, estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, para mim sobrou quase nada. Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e fixo: assim garanto a minha sobrevida.
(Se me quiserem amar, terá de ser hoje: amanhã, estarei mudada.)
Abro a gaveta e salta uma palavra: dança sedutora sobre o meu cansaço, veste-se de indefinições, retorce-se no labirinto das ambiguidades.
Tento uma geometria que a contenha no espaço entre dois silêncios quaisquer. Mas ela inventa o que faço: peso de fruta no sono da semente, assiste à minha luta, belo enigma. Eu, mediação incompetente.
Estes são os meus objetos. Este é o meu rosto: uns olhos que, de procurar demais, olham só para dentro. E se tudo desemboca na morte, esse é o meu destino. É para lá que vou, esperança e protesto, segurando o candelabro dos amores que me iluminaram na vida. (Resistirão, singularmente, ao meu último sopro?)
Com as perdas só há um jeito: perdê-las. Com os ganhos, o proveito é saborear cada um como uma fruta boa da estação. Mais nada. A vida corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro e me oferece um papel: abrir o coração como uma vela ao vento, ou pagar até o fim as contas já vencidas.
(Esta é uma brincadeira com quem diz não gostar de poesia, não entender poesia: são antigos poemas meus postos em prosa.)