Parafraseio meu querido velho amigo Mario Quintana, que morreu mas – como os artistas em geral – permanece vivo, falando de tia Tula: “E ela nem se voltou pra trás”.
O tempo das separações extremamente dramáticas, e raras devido aos preconceitos, pode estar passando. Casais jovens juntam e separam com aparente facilidade.
Assim, me parece às vezes, embora não generalizando, que acontecem as relações familiares ou entre amigos, quando não entre amantes, casais. O tempo das separações extremamente dramáticas, e raras devido aos preconceitos, pode estar passando. Casais jovens juntam e separam com aparente facilidade. Um dia ou dois de lágrimas, cama, músicas que lembrem o outro, e depois, a linda resposta de uma filha de Fernando Sabino quando ele perguntou como a menina estava depois de um namoro desmanchado, vendo-a sair do quarto mais animada: “Eu vou me vingar sendo feliz”.
Sempre achei isso genial, e recomendei, incluso para mim mesma, algumas vezes nesta vida. Falar é fácil, isso todos sabemos. Mas, talvez devido à fluidez geral das coisas e emoções, a coisa parece mais fácil.
Perdemos o emprego, arrumamos outro, ou ficamos com os pais, ou temos algum tipo de auxílio, bico, recurso qualquer (fora os casos dramáticos de pais ou mães desempregados com filhos na escola, na mesa, na vida). O namorado ou namorada foi apanhado em flagrante, ou confessa que tudo acabou? Nada que umas boas risadas na turma de amigos não melhore, e de preferência arruma-se logo outra parceria.
Estou exagerando, eu sei. Estou sendo pessimista ou irônica, eu sei. Mas de verdade vivemos com menos drama e tragédia no cotidiano. Quando eu era menina de escola, havia uma só de minhas coleguinhas cujos pais não eram “casados” de verdade. Casaram no Uruguai, comentavam as maledicentes, mas aqui no Brasil não vale. Lembro de uma infinita compaixão pela amiguinha, e da ordem severa de minha mãe para nunca comentar isso com ninguém – eu, sempre enfiada entre os adultos, tinha ouvido sem que eles soubessem. De um tempo em que não havia antibióticos, geladeira elétrica, telefones fáceis e celulares nem como um distante mito, acho que a gente melhorou. Morrem menos parturientes e bebês, mais crianças se criam saudáveis, as pessoas se comunicam como nunca antes, várias doenças fatais hoje têm cura. Estamos mais violentos? Mesmo em cidades pequenas não se deixa janela sem grade, casa sem cerca. Lembro da primeira vez em que, falando a universitários nos Estados Unidos, passei uns dias em casa de minha querida tradutora e amiga. Uma casa boa, dois andares, num daqueles bairros com bosquezinhos, até um riacho atrás. À tardinha, quando começava a escurecer, admito meu medo absurdo sozinha em casa, pois ali nem cercas nem grades me protegiam. Quando comentei isso na hora do jantar, uma das filhas da casa, adolescente, se espantou: “Mas para que grades na janela? Eu morreria de medo, imaginando do que estava precisando me proteger”.
Ao contrário da tia Tula de Quintana, a gente se vira para trás, ao andar numa rua mais deserta; ao sair do portão da garagem ou da porta do edifício; ao abrir a porta do carro; ou, simplesmente, ao dar um passo a mais neste nosso mundo onde estamos lançados.