Quem nunca tentou ou ficou mesmo se equilibrando em cima de um muro estreito, e alto, ou até num arame emocional, mental, econômico ou físico? Dificilmente, alguém escapou disso, ainda que em curto período da vida, um momento que fosse.
Quando menina, na minha amada escola (o Colégio Mauá, em Santa Cruz), os exercícios físicos na hora da então chamada ginástica eram, às vezes, arriscados. Caminhar sobre uma trave, eventualmente colocada beeeem alto, por exemplo, era quase impossível para quem, como eu, sem ninguém saber, tinha nascido com um problema que lhe dificultava um equilíbrio mais preciso.
Eu treinava em casa, no pátio, nas beiradinhas de alguns canteiros do jardim ou da horta, muretinhas muito baixas, que me deixavam mais confiante, mas não mais bem-sucedida. Mais tarde, eu aprenderia que na vida também andamos em círculos, ou às tontas, ou afundando, ou voando, ou, mais vezes, precisando achar equilíbrio: amo ou detesto? Cumpro ou desobedeço (minha opção preferida quando jovenzinha)? Finjo por cortesia ou sou realista? Sigo meu sonho e fico olhando as nuvens deitada na grama ou vou para o quarto fazer o tema? Obedeço à mãe e apago a luz do abajur ou boto um casaco diante da fresta da porta e fico com meus amigos livros até o sono de verdade vencer... quando já se escutavam na rua os cascos dos cavalos da carrocinha do verdureiro, do leiteiro, ou, mais cedo ainda, o incrivelmente consolador canto dos primeiros galos – e eu seguia, mentalmente, os lugares de onde um chamava, outro respondia, mais outro...
Tenho pensado nessas opções, que se tornariam muito mais graves e difíceis com o correr do tempo: o que eu imaginava ser a maravilhosa liberdade de ser adulto revelou-se uma série de escolhas, crescer era assumir mais responsabilidades. Mais ou menos me adaptei, e aos trancos e barrancos vim até onde estou hoje, filhos criados, netos amados, nascimentos felizes e mortes difíceis, mais livros escritos do que seria aconselhável, algumas telas pintadas, viagens, experiências, amizades maravilhosas, decepções agudas, calmarias fugazes, enfim, tudo o que cabe numa vida humana.
E quando reviso na memória ainda muito eficiente alguns momentos desse percurso, vejo quantas vezes precisei, com ou sem sucesso, andar em cima daquela trave dos tempos de escola, ou até de um espantoso arame emocional, daqueles de circo sem rede embaixo.
Muitas vezes, fracassei: em algumas, consegui. E hoje, nestes dias todos, nós, o país inteiro, seja de que lado for – se é que ainda sobrevivem esses conceitos maniqueístas bastante burros (na minha opinião de mera ficcionista) –, estamos numa altíssima mureta, quase um arame ou cabo: um pouco de sensatez vai fazer bem. Bastante humildade, idem. Algum realismo, melhor ainda. Desejo de paz, acima de tudo, para que se possa começar a construir, em vez de querer escapar para outras terras onde sempre seremos estrangeiros.
Meu amor pela minha pátria perdurou e cresceu desde quando, menina do interior, eu me emocionava às lágrimas nos feriados cívicos, cantando o Hino Nacional, cheia de confiança e fé: salve lindo pendão da esperança.