Hora de escrever esta coluna. Geralmente, é só sentar e brotam as tantas ideias que giram na minha cabeça nessas horas de ócio, talvez criativo, que cada vez mais me permito. Na mão, um bom livro (ainda curto mais os de papel), na frente, uma bela paisagem, um dos bônus que a vida me concedeu, e nuvens, e árvores começando a se colorir, cada vez de outra cor. Agora as paineiras logo vão se derramar como creme de morango (sempre gulosa) sobre as outras árvores do parque.
Mas, hoje, duas sombras além da maior de todas que ainda empalidece meus dias: um Supremo estranhíssimo (perdoem se sou ignorante nos assuntos de Justiça), deixando boquiaberta boa parte do país, insegura, perplexa, entristecida.
Outra notícia, ainda não muito divulgada: uma grande rede de livrarias (não é a Cultura, graças a Deus) suspendendo pagamentos às editoras, deixando-as alarmadas. Terão de renegociar ou cancelar contratos, reduzir ainda mais as edições e as traduções, reprogramar suas vidas já difíceis em tempos tão difíceis. Todos sentiremos os ônus.
O coração se alegra, por mais que eu seja avessa a cerimônias, homenagens e premiações.
Quem comenta por aí que a crise passou? Podemos ser ignorantes, alguns de nós ou a maioria, em assuntos de economia e política, mas nosso bolso, meu bolso, não se engana. Consigo errar cálculos na calculadora, e recorro a meu marido engenheiro ou a algum filho ou neto mais iluminado do que eu nesses assuntos, mas a conta bancária, a carteira, não erram. Então, estes são dias estranhos, repito seguidamente nesta coluna e em Whats ou e-mails (quase não usamos mais e-mails, já notaram?).
Mas o jardineiro me manda vídeos daquela família de bugios fazendo artes nas nossas árvores do bosque, a turma crescendo, seguidamente filhotes agarrados às costas da mãe. Uma vizinha me conta que rasgaram a tela da janela do seu quarto, e me ouço dando uma risada.
Além do mais, hoje (estou escrevendo na sexta-feira, naturalmente), recebo no Renascença, com os queridos colegas e amigos Faraco, Aldyr e Deonísio, o Prêmio Açorianos pelo conjunto da obra.
O coração se alegra, por mais que eu seja avessa a cerimônias, homenagens e premiações. Loucura minha, eu sei, mas, em tantos anos de carreira, já pedi mais de uma vez que alguém recebesse o prêmio por mim. Coisas que nem anos de terapia resolveram.
Mas este aceitei, e vou receber, com satisfação, sobretudo pelo carinho que representa, pelos meus muitos longos anos de labuta, pelo trabalho, e estima, de Luciano, Sergius, toda a equipe de Cultura de Porto Alegre, e, afinal, porque é uma honra mesmo.
Saio brevemente do meu recolhimento para curtir o bônus dessa noite, resultado de várias décadas em que, em cada página, cada parágrafo de livro ou artigo, procurei dar o melhor de mim: o leitor merece. E eu também.O coração se alegra, por mais que eu seja avessa a cerimônias, homenagens e premiações.